Dentro daquilo que se pode classificar como típico no cinema
iraniano, “O espelho” (1997) estaria dentro dos preceitos do que se poderia
classificar como previsível: uso de crianças como atores, toques de
metalinguagem, sutil crítica sócio-política. Por outro lado, a forma com que o
diretor Jafar Panahi combina tudo isso é muito original e transforma o ator de assistir
ao filme em questão em uma experiência única, independente do seu país de
origem. Mergulhar em sua narrativa é uma jornada desconcertante para o
espectador – parte-se de uma abordagem narrativa linear e naturalista, em que o
registro seco e objetivo de um fato do cotidiano, a espera da filha pela mãe
que devia buscá-la na escola e a consequente peregrinação da garota pela cidade
na tentativa de chegar em casa, cria uma tensão palpável, além de trazer
momentos preciosos na captação de sensações e sentimentos de anônimos nas ruas
e nos veículos coletivos, até que de forma abrupta tudo isso se rompe ao se
caracterizar como uma filmagem interrompida, ou seja, um filme dentro do filme.
A partir desse momento, “O espelho” se converte em várias realidades que se
sobrepõem, como universos paralelos se chocando. Panahi incorpora aparentes “defeitos”
e imperfeições como importantes elementos estéticos e narrativos, dificultando
a precisa determinação entre o real e o imaginário, mas sem esconder a sua
própria verdade artística-existencial: por mais que esse jogo formal algo
delirante confunda a nossa percepção, sempre está presente a atmosfera de
opressão de uma inclemente sociedade patriarcal e obscurantista.
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