Um filme como “Vai trabalhar, vagabundo!” (1973) consegue
sintetizar de maneira precisa quem era a pessoa que o concebeu, bem como o
contexto histórico em que foi lançado. Hugo Carvana era um ator que começou
fazendo chanchadas nos anos 50 e depois participou de expressivos filmes do
Cinema Novo. Assim, sua obra de estreia como diretor evidencia essa sua
trajetória. O roteiro se estrutura como uma comédia picaresca e que
frequentemente cai no pastelão. Ao mesmo tempo, a encenação tem um caráter
libertário e por vezes antinaturalista que beira o delirante que nos remete ao
modus operandi de Glauber Rocha. O que era para ser uma junção confusa de
referências artísticas acaba se revelando como uma narrativa bastante funcional
e divertida, carregada de um rico subtexto anárquico e humanista. A direção de
Carvana é segura e consegue dar uma coerência desconcertante para uma narrativa
aparentemente bagunçada – é como se o filme fosse uma grande brincadeira entre
amigos, impressão essa reforçada pela sequência final, mas com um acabamento
estético-temático que torna tudo muito envolvente para o espectador, além de
várias nuances artísticas antológicas, vide a ótima trilha sonora, os diálogos
muito espirituosos e um elenco em estado de graça (Paulo César Pereio, Nelson
Xavier e o próprio Carvana apresentam algumas de suas mais memoráveis
atuações). Obra fundamental na história do cinema brasileiro, “Vai trabalhar,
vagabundo!” faz estranhar como o mesmo Carvana apresentou em seus últimos anos
trabalhos tão insípidos e desajeitados como “Não se preocupe, nada vai dar
certo” (2011) e “Casa da mãe Joana 2” (2012).
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