segunda-feira, setembro 03, 2018

As aventuras amorosas de um padeiro, de Waldir Onofre ****


Se o documentário “Histórias que o nosso cinema (não) contava” (2017) defende com a ardor a ideia de uma parcela do cinema brasileiro popular setentista que apresentava um forte grau de inventividade artística e um grande teor de crítica e ironia tanto à ditadura militar da época quanto aos hipócritas valores morais da sociedade ocidental contemporânea, “As aventuras amorosas de um padeiro” (1976) é um exemplar enfático dessa tendência. No único longa-metragem dirigido por Waldir Onofre, há uma junção ao mesmo tempo alucinada e de coerência desconcertante de diversos elementos estéticos e temáticos que se unem em uma narrativa que em um primeiro momento evoca preceitos formais e textuais típicos das comédias de costume da época, mas que aos poucos vai se convertendo em algo cada vez mais deliciosamente inclassificável. Em uma produção “normal” do gênero na época, as desventuras sentimentais-sexuais de Rita (Maria do Rosário) rumariam para uma conclusão moralizante e conciliadora a evocar a infalibilidade das instituições sócio-familiares. No filme de Onofre, entretanto, tudo isso vai para o espaço, com a formatação de conto moral e a encenação naturalista se dissolvendo em nome de uma atmosfera delirante de musical macumbeiro, insólitas referências eruditas, estilizado senso cênico e senso de humor entre o pastelão e o sardônico. Essa bizarra e genial abordagem formal acolhe com sensibilidade um roteiro de caráter libertário e contestador a dissecar sem concessões sexismo, racismo e preconceito de classe. O resultado final desse conjunto artístico sui generis é uma das obras “malditas” (no sentido de desafiadora) mais marcantes da história do cinema brasileiro, ao lado de pérolas como “Os monstros de babaloo” (1971) e “SuperOutro” (1989).

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