Se o documentário “Histórias que o nosso cinema (não)
contava” (2017) defende com a ardor a ideia de uma parcela do cinema brasileiro
popular setentista que apresentava um forte grau de inventividade artística e
um grande teor de crítica e ironia tanto à ditadura militar da época quanto aos
hipócritas valores morais da sociedade ocidental contemporânea, “As aventuras
amorosas de um padeiro” (1976) é um exemplar enfático dessa tendência. No único
longa-metragem dirigido por Waldir Onofre, há uma junção ao mesmo tempo
alucinada e de coerência desconcertante de diversos elementos estéticos e
temáticos que se unem em uma narrativa que em um primeiro momento evoca
preceitos formais e textuais típicos das comédias de costume da época, mas que
aos poucos vai se convertendo em algo cada vez mais deliciosamente
inclassificável. Em uma produção “normal” do gênero na época, as desventuras
sentimentais-sexuais de Rita (Maria do Rosário) rumariam para uma conclusão
moralizante e conciliadora a evocar a infalibilidade das instituições
sócio-familiares. No filme de Onofre, entretanto, tudo isso vai para o espaço,
com a formatação de conto moral e a encenação naturalista se dissolvendo em
nome de uma atmosfera delirante de musical macumbeiro, insólitas referências
eruditas, estilizado senso cênico e senso de humor entre o pastelão e o
sardônico. Essa bizarra e genial abordagem formal acolhe com sensibilidade um
roteiro de caráter libertário e contestador a dissecar sem concessões sexismo,
racismo e preconceito de classe. O resultado final desse conjunto artístico sui
generis é uma das obras “malditas” (no sentido de desafiadora) mais marcantes
da história do cinema brasileiro, ao lado de pérolas como “Os monstros de
babaloo” (1971) e “SuperOutro” (1989).
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário