É claro que com Jim
Jarmusch enveredando para um filme sobre vampiros não dava para esperar
exatamente uma tradicional produção de horror daquelas com Bela Lugosi e
Christopher Lee. Na realidade, o que se tem é o diretor norte-americano adaptando
um clássico gênero para o seu característico estilo de filmar, coisa que ele já
tinha feito com o faroeste (Dead Man) ou os thrillers de ação (Ghost Dog). Só
que mesmo assim em “Amantes Eternos” (2013) o resultado final é ainda mais
surpreendente e fascinante. Jarmusch adapta a mitologia vampiresca de acordo
com as suas obsessões estéticas e temáticas. Dessa forma, a carga centenária de
conhecimento e experiência dos vampiros Adam (Tom Hiddleston) e Eve (Tilda
Swinton) se materializa em referências culturais sofisticadas e uma angústia
existencial incomensurável, em que a degustação de sangue em taças e jarras
traz uma carga emocional entre a culpa e um prazer sensorial extasiante. Há
espaço tanto para discussões filosóficas e existenciais, repletas de citações
eruditas, como para relações com a cultura pop das últimas décadas. Nessa leva,
um rock antigo de Charlie Feathers pode soar tão misterioso e envolvente quanto
algumas passagens literárias de Christopher Marlowe, contemporâneo de
Shakespeare e personagem ativo do filme. Essa estranha combinação encontra um
complemento audiovisual extraordinário nas concepções formais de “Amantes
eternos”. Talvez seja o trabalho de Jarmusch em que ele leva mais longe o seu
virtuosismo cinematográfico, revelando uma elaboração esmerada em termos de
composições de cena, enquadramentos de tons pictóricos, construção de atmosferas
entre o sombrio e o delirante e uma trilha sonora espetacular que mistura
levadas letárgicas de rock com toques orientais. Toda essa ambientação estética
bem como a sutil lapidação do subtexto do roteiro encontram uma ressonância
extraordinária na sequencias finais do filme, em que a resposta para tormentos
dos personagens está numa solução atávica e desconcertante: a volta a um
primitivismo brutal de buscar o alimento direto na garganta humana.
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