segunda-feira, março 30, 2015

Branco sai, preto fica, de Adirley Queirós ***


Talvez a grande força de “Branco sai, preto fica” (2014) esteja muito mais na expressividade do seu conceito do que na sua execução formal. Trata-se de uma manifesto cultural e político contundente nos elementos e influências diversos que combina. Em um primeiro momento, o filme do diretor Adirley Queirós se vincula ao gênero da ficção científica. Só que o cineasta trata isso muito mais como uma ideia do que uma estética em si – os itens da direção de arte que remetem ao gênero estão ali apenas como uma representação que beira o teatral. O espectador tem de comprar essa abstração que não se liga a uma encenação realista. Nesse sentido, Queirós demonstra uma sintonia existencial e artística com obras de exceção dentro do cinema brasileiro como “A idade da terra” (1980) e alguns trabalhos de Rogério Sganzerla, em que uma certa fuleiragem visual representa uma espécie de declaração de fé cultural terceiro-mundista. Entretanto, também há dentro do filme uma idéia de sofisticação no seu discurso e estética, com a narrativa abarcando preceitos do cinema documental dentro daquilo que era para ser ficcional, além de um esmerado apuro plástico na direção de fotografia em termos de enquadramentos e composições cênicas. Dentro de toda essa concepção que revela um pendor para o cerebralismo também há espaço para um caráter de arte popular que se revela nos funkeados temas da trilha sonora e nas interpretações cheias de espontaneidade do elenco. O resultado do cruzamento de todas essas ideias é irregular – a narrativa se perde por vezes nos devaneios de Queirós, mas em outros momentos cativa pelo seu encanto imagético e pela lúcida ferocidade de seu discurso de revolta e ironia. Talvez essa alternância de percepções seja a melhor forma para que “Branco sai, preto fica” expresse com mais intensidade a complexidade e o incômodo da sua temática: a maneira perversa e hipócrita com que o racismo está infiltrado na sociedade contemporânea.

Nenhum comentário: