Para quem nunca assistiu a uma produção dirigida pelo
italiano Giulio Questi, ver “Arcana” (1972) pode suscitar algumas comparações e
referências – o surrealismo desconcertante de Luis Buñuel, o simbolismo intrincado
de Alejandro Jodorowsky, o barroquismo visual apurado de Dario Argento. É
fascinante, entretanto, que no meio de todas essas ligações que pode fazer, há
um forte senso de originalidade e cunho autoral por parte de Questi. A premissa
do roteiro e a formatação dramática de algumas cenas vinculam o filme à típica
escola de horror italiano das décadas de 60 e 70, mas a produção envereda por
vias ainda mais obscuras. O fio de história do roteiro, algo que parece ter
relação com jogos de tarô e assassinatos, vai se dissolvendo progressivamente,
sendo que lá pelo terço final se tem a impressão de que Questi desistiu dar
algum sentido mais literal para a trama. “Arcana” vai se configurando como um
pesadelo sem fim, cuja lógica se abstrai em meio a várias cenas antológicas e
conceitos brilhantes. A temática baseada em violência, sexo, misticismo e tabus
diversos recebe um tratamento formal contundente, que não se furta em abusar do
grafismo exagerado e brutal, mas que também traz uma inesperada carga poética. Há
ainda detalhes cênicos cuja criatividade é chocante mesmo para os dias de hoje
(a desvairada mescla na trilha sonora de temas de suspenses com canções étnicas,
o misto entre grotesco e poético de cenas como aquela da personagem que passa a
cuspir sapos, a montagem que alterna tempos e lugares como se fosse um grande vórtice
atordoante). Para quem acha que o máximo de ousadia artística que o cinema se
permite é o melodrama de “Boyood” ou o onirismo de botequim de “Birdman”,
assistir a “Arcana” pode ser uma experiência desconcertante.
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