segunda-feira, março 09, 2015

Arcana, de Giulio Questi ****


Para quem nunca assistiu a uma produção dirigida pelo italiano Giulio Questi, ver “Arcana” (1972) pode suscitar algumas comparações e referências – o surrealismo desconcertante de Luis Buñuel, o simbolismo intrincado de Alejandro Jodorowsky, o barroquismo visual apurado de Dario Argento. É fascinante, entretanto, que no meio de todas essas ligações que pode fazer, há um forte senso de originalidade e cunho autoral por parte de Questi. A premissa do roteiro e a formatação dramática de algumas cenas vinculam o filme à típica escola de horror italiano das décadas de 60 e 70, mas a produção envereda por vias ainda mais obscuras. O fio de história do roteiro, algo que parece ter relação com jogos de tarô e assassinatos, vai se dissolvendo progressivamente, sendo que lá pelo terço final se tem a impressão de que Questi desistiu dar algum sentido mais literal para a trama. “Arcana” vai se configurando como um pesadelo sem fim, cuja lógica se abstrai em meio a várias cenas antológicas e conceitos brilhantes. A temática baseada em violência, sexo, misticismo e tabus diversos recebe um tratamento formal contundente, que não se furta em abusar do grafismo exagerado e brutal, mas que também traz uma inesperada carga poética. Há ainda detalhes cênicos cuja criatividade é chocante mesmo para os dias de hoje (a desvairada mescla na trilha sonora de temas de suspenses com canções étnicas, o misto entre grotesco e poético de cenas como aquela da personagem que passa a cuspir sapos, a montagem que alterna tempos e lugares como se fosse um grande vórtice atordoante). Para quem acha que o máximo de ousadia artística que o cinema se permite é o melodrama de “Boyood” ou o onirismo de botequim de “Birdman”, assistir a “Arcana” pode ser uma experiência desconcertante.

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