sexta-feira, março 13, 2015

Gato preto, gato branco, de Emir Kusturica ****


Poucos cineastas na atualidade conseguiram elaborar um universo tão particular quanto o sérvio Emir Kusturica. Visto em conjunto, seus filmes configuram uma visão muito pessoal do diretor sobre história, política e cultura, tudo isso embalado por uma concepção estética que parece fazer sentido apenas de acordo com os princípios de seu criador. “Gato preto, gato branco” (1998) é uma obra que dá continuidade e complementação a outras obras da filmografia de Kusturica – ela pode ser vista como uma história auto-contida, mas também é inegável que se mostra em sintonia com as temáticas e escolhas formais favoritas do cineasta. Ao mostrar uma trama envolvendo mal-entendidos e trambiques entre um grupo de clãs de ciganos, Kusturica tanto reforça o seu apreço por personagens e situações que fogem dos padrões de bom gosto quanto por uma narrativa de forte teor delirante e que beira o realismo mágico. A encenação é sempre exuberante, exagerada e escrachada, quase como se fosse um musical desenfreado (vide o uso constante de uma trilha sonora exótica e festiva), mas sem nunca perde o foco e o impacto. A ideia principal permanente é de um mundo em ebulição, quase em colapso, em que os ditames de uma sociedade capitalista se misturam sem cerimônia com atividades criminosas. Tal olhar amargo sobre os rumos dessa sociedade, contudo, recebem um tratamento típico de comédia de absurdo, revelando o caráter humanista da abordagem artística de Kusturica.

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