Poucos cineastas na atualidade conseguiram elaborar um
universo tão particular quanto o sérvio Emir Kusturica. Visto em conjunto, seus
filmes configuram uma visão muito pessoal do diretor sobre história, política e
cultura, tudo isso embalado por uma concepção estética que parece fazer sentido
apenas de acordo com os princípios de seu criador. “Gato preto, gato branco”
(1998) é uma obra que dá continuidade e complementação a outras obras da
filmografia de Kusturica – ela pode ser vista como uma história auto-contida,
mas também é inegável que se mostra em sintonia com as temáticas e escolhas
formais favoritas do cineasta. Ao mostrar uma trama envolvendo mal-entendidos e
trambiques entre um grupo de clãs de ciganos, Kusturica tanto reforça o seu
apreço por personagens e situações que fogem dos padrões de bom gosto quanto
por uma narrativa de forte teor delirante e que beira o realismo mágico. A
encenação é sempre exuberante, exagerada e escrachada, quase como se fosse um
musical desenfreado (vide o uso constante de uma trilha sonora exótica e
festiva), mas sem nunca perde o foco e o impacto. A ideia principal permanente é
de um mundo em ebulição, quase em colapso, em que os ditames de uma sociedade
capitalista se misturam sem cerimônia com atividades criminosas. Tal olhar
amargo sobre os rumos dessa sociedade, contudo, recebem um tratamento típico de
comédia de absurdo, revelando o caráter humanista da abordagem artística de
Kusturica.
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