A filmografia do cineasta argentino Pablo Trapero sempre foi
marcada por uma pegada autoral própria, em que o diretor procurava criar uma
atmosfera marcada por um realismo áspero. Seu formalismo não é caracterizado
por grandes voos de virtuosismo, com Trapero preferindo manter uma estética
austera para mostrar sintonia com roteiros de forte caráter humanista. Assim
foi em obras memoráveis como “A família rodante” (2003), “Nascido e criado”
(2006), “Leonera” (2008) e “Abutres” (2010). Ainda que venha sendo
expressivamente festejado por crítica e público, com direito inclusive a ser o
representante da Argentina para uma possível indicação ao Oscar de filme
estrangeiro, “O clã” (2015), o trabalho mais recente de Trapero, foge bastante
do estilo habitual do cineasta. Ao invés daquela mencionada sobriedade de
concepção, Trapero envereda por uma narrativa bem mais convencional,
ajustando-se a um amálgama de cinebiografia e policial que serve para embalar
uma premissa e subtexto de trama bastante interessantes – a dos fatos reais de
que a ditadura argentina que se estendeu entre parte dos anos 70 e 80 acabou
oferecendo treinamento e mesmo salvo conduto para que organizações criminosas
praticassem os seus delitos sob o disfarce de defesa dos valores cívicos e morais
(prática essa que também ocorreu no Brasil). Até que por vezes essa gestão de
clichês soa divertida e envolvente, mas a impressão geral é a de que Trapero
resolveu se tornar um Scorsese platino, fazendo com que “O clã” pareça uma
espécie de “Os bons companheiros” mal ajambrado, com direito inclusive a inúmeros
planos-sequência sem muito sentido e trilha sonora rock and roll anglo-saxã.
Ainda que competente em alguns quesitos técnicos e contando com uma ótima
atuação de Guillermo Francella no papel do protagonista Arquimedes Puccio,
falta uma fluência narrativa e uma abordagem temática menos superficial para
que a produção se mostre capaz de ser algo efetivamente memorável, o que acaba
sendo frustrante devido à mencionada questão sócio-política que permeia a trama
e que acaba sendo tangenciada de maneira amena, ficando longe, por exemplo, da
contundência e profundidade do brasileiro “Orestes” (2015) que traz assuntos
semelhantes em seu respectivo roteiro.
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