quarta-feira, dezembro 30, 2015

Quando papai saiu em viagem de negócios, de Emir Kusturica ***1∕2

Talvez o aspecto mais fascinante no modus operandi do diretor sérvio Emir Kusturica é a forma com que ele adequa gêneros e clichês cinematográficos dentro de sua linguagem artística particular. Essa característica fica bastante evidente em “Quando papai saiu em viagem de negócios” (1985), uma de suas produções mais estimadas. Num primeiro momento, o espectador pode até achar que está vendo algo convencional, numa trama que mistura referências históricas, memorialismo infantil e comentário político. Aos poucos, entretanto, Kusturica vai envenenando os lugares comuns com uma encenação vibrante, em que a tensão dramática e a ironia sardônica convivem de maneira fluida e natural. O academicismo formal em que esse tipo de obra costuma se basear está lá, principalmente pela vinculação com determinados fatos históricos importantes da Iugoslávia, mas o fato do protagonista ser uma criança faz com que a abordagem estética do filme traga algo de mágico e mesmo delirante na sua atmosfera. Essa oposição de linguagens (naturalista e estilizada) não é gratuita de acordo com o contexto sócio-político em que se desenvolve o roteiro – os absurdos do autoritarismo e da burocracia do governo iugoslavo dos anos 40 por vezes beiram o surreal. Mantendo essa pegada autoral, Kusturica elaborou ainda melhor esses preceitos formais e temáticos naquela que é a sua grande obra-prima, “Underground” (1985).

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