terça-feira, maio 03, 2016

O que eu fiz para merecer isso?, de Patrice Leconte **1/2

Por ser o realizador de obras memoráveis como “Os bronzeados” (1978) e “O marido da cabelereira” (1990), o francês Patrice Leconte é aquele tipo de diretor do qual sempre se guarda uma certa expectativa positiva. “O que eu fiz para merecer isso?” (2014), seu filme mais recente, entretanto, acaba não justificando essa espera. Não chega a ser ruim e por vezes até é divertido e agradável. Só que a premissa de seu roteiro exigia uma pegada artística bem mais consistente, coisa, aliás, que se sabe que Leconte seria capaz. Há elementos na trama que sugerem uma visão aguda da condição humana na sociedade contemporânea. A história do pequeno-burguês que encontra um disco raro num sebo e ao levá-lo para casa não consegue ouvir para uma série de intervenções externas (a esposa adúltera arrependida, o filho desajustado, a amante disposta a contar tudo para a sua família, os vizinhos que querem realizar uma festa de confraternização, o trabalhador informal que estraga o encanamento do apartamento) traz em seu subtexto um conteúdo existencial inquietante, a do homem moderno cada vez mais afundado em egocentrismo que beira a misantropia e a misoginia. A estrutura narrativa remete a uma origem teatral, o que mostra a tendência da obra para uma espécie de síntese entre realismo e absurdo. Ocorre que Leconte parece se conformar com clichês típicos de uma comédia de erros qualquer, o que faz com que o filme nunca realmente explore as suas possibilidades criativas de maneira satisfatória. Tanto que a melhor sequência da produção é a final, quando o protagonista Michel (Christian Clavier) só consegue ouvir o seu disco quando vai escutá-lo junto ao seu pai em uma clínica de repouso, sugerindo uma psicologia obscura e atávica de seus sentimentos e atos.

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