Por ser o realizador de obras memoráveis como “Os bronzeados”
(1978) e “O marido da cabelereira” (1990), o francês Patrice Leconte é aquele
tipo de diretor do qual sempre se guarda uma certa expectativa positiva. “O que
eu fiz para merecer isso?” (2014), seu filme mais recente, entretanto, acaba
não justificando essa espera. Não chega a ser ruim e por vezes até é divertido
e agradável. Só que a premissa de seu roteiro exigia uma pegada artística bem
mais consistente, coisa, aliás, que se sabe que Leconte seria capaz. Há
elementos na trama que sugerem uma visão aguda da condição humana na sociedade
contemporânea. A história do pequeno-burguês que encontra um disco raro num
sebo e ao levá-lo para casa não consegue ouvir para uma série de intervenções
externas (a esposa adúltera arrependida, o filho desajustado, a amante disposta
a contar tudo para a sua família, os vizinhos que querem realizar uma festa de
confraternização, o trabalhador informal que estraga o encanamento do
apartamento) traz em seu subtexto um conteúdo existencial inquietante, a do
homem moderno cada vez mais afundado em egocentrismo que beira a misantropia e
a misoginia. A estrutura narrativa remete a uma origem teatral, o que mostra a
tendência da obra para uma espécie de síntese entre realismo e absurdo. Ocorre
que Leconte parece se conformar com clichês típicos de uma comédia de erros
qualquer, o que faz com que o filme nunca realmente explore as suas
possibilidades criativas de maneira satisfatória. Tanto que a melhor sequência
da produção é a final, quando o protagonista Michel (Christian Clavier) só
consegue ouvir o seu disco quando vai escutá-lo junto ao seu pai em uma clínica
de repouso, sugerindo uma psicologia obscura e atávica de seus sentimentos e
atos.
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