Assim como na produção argentina “Kóblic” (2016), o filme
peruano “A passageira” (2014) procura formatar uma reflexão sobre a ditadura
militar na América Latina dentro de uma estrutura de cinema de gênero (no caso,
o suspense policial). Se na citada obra portenha tal propósito fica apenas na
intenção, ainda que resulte num divertido faroeste reciclado, no trabalho do
diretor Salvador Del Solar essa síntese entre questionamento político-social e formatação
de gênero soa mais homogênea e convincente, tendo como principal responsável
para isso um roteiro muito bem delineado em seu desenvolvimento e subtextos. Há
nuances na trama que revelam um forte caráter simbólico a refletir uma
sociedade marcada pela opressão e exploração de classes. Nesse sentido, a
figura da personagem Celina (Magaly Solier), nativa de uma vila indígena
exterminada por militares na época da ditadura, é bastante emblemática – quando
adolescente, abusada por militares; na fase adulta, explorada por agiotas e
picaretas de classe média alta. Seu discurso final, indignado e no seu dialeto
nativo, representa a cena mais memorável de “A passageira” no seu misto de fúria
e frustração. A abordagem formal e textual de Del Solar para a história que
conta é marcada por uma sobriedade admirável, ainda que a narrativa se ressinta
de um certo excesso de convencionalismos. Ainda assim, “A passageira” consegue
preservar a sua capacidade de inquietar e se fixar por um tempo no imaginário
do espectador.
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