No seu primeiro terço de duração, o documentário chileno “O
botão de pérola” (2015) sugere ao espectador em sua formatação como se fosse
uma versão mais apurada e artística daquelas produções televisivas de canais
como Discovery ou History Chanel a versar sobre a importância da água na
sobrevivência e desenvolvimento da humanidade. Com o desenrolar da narrativa,
entretanto, o diretor Patrício Gusmán vai desviando de maneira sutil sua obra
para um viés sócio-político-cultural desconcertante, traçando um desolador
retrato do massacre dos povos nativos de seu país e relacionando com o brutal
massacre de perseguidos políticos na ditadura de Pinochet, cujos corpos eram
jogados no meio do oceano. Mais que um simples manifesto panfletário, o caráter
humanista e poético da abordagem de Gusmán consegue combinar com coerência e
sensibilidade essa ampla temática dentro de uma linguagem cinematográfica
apurada e de uma visão existencial complexa, em que todos os aspectos da
narrativa se entrelaçam com desenvoltura – fotografia grandiosa, engenhosas
trucagens visuais, atmosfera e trilha sonora solenes, roteiro repleto de preciosas
nuances textuais valorizadas pela etérea narração do próprio Gusmán. Nessa
estranha e encantadora síntese artística concebida pelo cineasta, a antropologia
e o fantástico convivem de maneira harmônica dentro um fascinante e bizarro
universo.
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