quinta-feira, outubro 20, 2016

O botão de pérola, de Patrício Gusmán ***1/2

No seu primeiro terço de duração, o documentário chileno “O botão de pérola” (2015) sugere ao espectador em sua formatação como se fosse uma versão mais apurada e artística daquelas produções televisivas de canais como Discovery ou History Chanel a versar sobre a importância da água na sobrevivência e desenvolvimento da humanidade. Com o desenrolar da narrativa, entretanto, o diretor Patrício Gusmán vai desviando de maneira sutil sua obra para um viés sócio-político-cultural desconcertante, traçando um desolador retrato do massacre dos povos nativos de seu país e relacionando com o brutal massacre de perseguidos políticos na ditadura de Pinochet, cujos corpos eram jogados no meio do oceano. Mais que um simples manifesto panfletário, o caráter humanista e poético da abordagem de Gusmán consegue combinar com coerência e sensibilidade essa ampla temática dentro de uma linguagem cinematográfica apurada e de uma visão existencial complexa, em que todos os aspectos da narrativa se entrelaçam com desenvoltura – fotografia grandiosa, engenhosas trucagens visuais, atmosfera e trilha sonora solenes, roteiro repleto de preciosas nuances textuais valorizadas pela etérea narração do próprio Gusmán. Nessa estranha e encantadora síntese artística concebida pelo cineasta, a antropologia e o fantástico convivem de maneira harmônica dentro um fascinante e bizarro universo.

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