quarta-feira, outubro 05, 2016

Incompreendida, de Asia Argento ***1/2

Não se pode ser filha de um gênio perturbado como Dario Argento e fica incólume a isso. Asia Argento tem pautado a sua trajetória como atriz e cineasta por obras que sempre tangenciam a estranheza e a sordidez. Depois da descida aos infernos nas falsas memórias do pseudo-escritor J.T. Leroy no brilhante Maldito coração (2004), ela volta à função de diretora em Incompreendida (2014), obra de nítido cunho autobiográfico em que Asia focaliza alguns episódios de sua infância na época em que seus pais se separaram. Boatos e fofocas dizem que Dario Argento entrou em depressão depois de assistir ao resultado final. E não é para menos: ainda que o roteiro traga algumas convenções típicas do gênero do memorialismo cinematográfico, resvalando por vezes no sentimentalismo, o retrato que a diretora oferece é bastante visceral e cruel de uma rotina de incompreensão, indiferença e abandono por parte de seus pais. Mas o painel emocional elaborado por Asia não é unidimensional ou maniqueísta: ainda que pai (Gabriel Garko) e mãe (Charlotte Gainsbourg) sejam figuras bem escrotas em algumas situações, há também uma aura de fascinação em torno de suas figuras exuberantes. Nesse sentido, Argento por vezes incorpora uma estilização visual e narrativa que remete diretamente ao melhor da obra de Dario, além de evidenciar um trabalho de direção de arte sensacional na evocação da estética oitentista, com direito inclusive a uma memorável trilha sonora de pastiches de canções de típica sonoridade da época. Tais nuances formais e temáticas de Incompreendida fazem com que se imagine como seria um filme de horror dirigido por Asia.

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