Não se pode ser filha de um gênio perturbado como Dario
Argento e fica incólume a isso. Asia Argento tem pautado a sua trajetória como
atriz e cineasta por obras que sempre tangenciam a estranheza e a sordidez.
Depois da descida aos infernos nas falsas memórias do pseudo-escritor J.T.
Leroy no brilhante Maldito coração (2004),
ela volta à função de diretora em Incompreendida
(2014), obra de nítido cunho autobiográfico em que Asia focaliza alguns
episódios de sua infância na época em que seus pais se separaram. Boatos e
fofocas dizem que Dario Argento entrou em depressão depois de assistir ao
resultado final. E não é para menos: ainda que o roteiro traga algumas
convenções típicas do gênero do memorialismo cinematográfico, resvalando por
vezes no sentimentalismo, o retrato que a diretora oferece é bastante visceral
e cruel de uma rotina de incompreensão, indiferença e abandono por parte de
seus pais. Mas o painel emocional elaborado por Asia não é unidimensional ou
maniqueísta: ainda que pai (Gabriel Garko) e mãe (Charlotte Gainsbourg) sejam
figuras bem escrotas em algumas situações, há também uma aura de fascinação em
torno de suas figuras exuberantes. Nesse sentido, Argento por vezes incorpora
uma estilização visual e narrativa que remete diretamente ao melhor da obra de
Dario, além de evidenciar um trabalho de direção de arte sensacional na
evocação da estética oitentista, com direito inclusive a uma memorável trilha
sonora de pastiches de canções de típica sonoridade da época. Tais nuances
formais e temáticas de Incompreendida fazem
com que se imagine como seria um filme de horror dirigido por Asia.
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