Em um primeiro momento, “Crookly” (1994) aparenta algo como
um nostálgico e movimentado drama familiar situado no bairro nova-iorquino
Brooklyn na virada das décadas 60 e 70. Por vezes, a estrutura narrativa
acentua essa impressão ao formatar a trama em alguns momentos como se fosse uma
sucessão de episódios entre o cômico e o pitoresco. Aos poucos, entretanto, os
personagens e as próprias situações do roteiro vão ganhando unidade e mesmo maior
profundidade psicológica. A história do processo de amadurecimento da pequena
Troy (Zelda Harris) em meio a um conturbado ambiente familiar (pai música
desempregado, mãe sobrecarregada e irmãos encapetados) ganha nuances dramáticas
muito bem delineadas e também apresenta um forte subtexto sócio-político, em
que a gradual tomada de consciência da protagonista da necessidade de
fortalecer seu caráter e postura moral diante das dificuldades da vida se
relaciona com um contexto histórico em que os negros norte-americanos passam a
ser tornarem mais proativos e contestadores da discriminação que sofrem (não à
toa, Martin Luther King, Angela Davis e Malcom X são originários desse
cenário). Dessa forma, “Crooklyn” mostra notável sintonia com outros filmes de
seu diretor Spike Lee que também apresentam essa temática social como “Faça a
coisa certa” (1989), “Febre na selva” (1991) e “Malcom X” (1992). E também
assim como em tais obras, estão lá boa parte das características mais
expressivas do estilo do cineasta – a encenação vibrante, a concepção visual
baseada em cores fortes e enquadramentos virtuosos, a montagem sintetizada numa
dinâmica peculiar entre imagem e som. Nesse último quesito, “Crooklyn” é
particularmente antológico na forma com que as maravilhosas canções de black
music da trilha sonora se inserem na narrativa.
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