As regiões desérticas da Austrália têm um histórico
interessante como cenário expressivo de produções relevantes na história do
cinema, vide produções antológicas como “A longa caminhada” (1971), “O corte da
navalha” (1984), “A proposta” (2006) e toda a franquia “Mad Max”. Essa
fascinante tradição se mantém em “Terra estranha” (2015), obra em que o deserto
australiano funciona quase como se fosse um personagem próprio da trama, ditando
não só as intempéries físicas sofridas pelos indivíduos como também servindo de
fator simbólico das confusões existenciais de tais figuras. Em sua superfície,
o roteiro tem como mote principal o desaparecimento de um casal de jovens
irmãos numa árida cidade interiorana e toda a sorte que dúvidas e suspeitas que
um evento como esse pode suscitar. A diretora Kim Farrant usa alguns clichês
narrativos do gênero suspense, mas essa rendição ao convencional é ilusória.
Aos poucos, a narrativa vai se tornando cada vez mais atmosférica e misteriosa,
dando vazão a uma série de cenas marcadas por um perturbador misto de languidez
a flor-da-pele, desejos difusos e frustrações sentimentais. A procura pelos
adolescentes vai se tornando um processo de expiação de culpas e acerto de
contas com o passado obscuro dos personagens. Farrant acerta no alvo ao não se
preocupar com as aparentes pontas soltas da trama, levando mais em conta as consequências
psíquicas dos fatos do que se concentrando em encontrar “bandidos”, o que fica
evidenciado na poética, enigmática e algo libertária conclusão do filme. A
abordagem estética adotada por Farrant para essa saga existencial é outro
grande acerto, com uma direção de fotografia magnífica a explorar a riqueza de
nuances imagéticas proporcionada pelos cenários desérticos em termos de
iluminação e enquadramentos, além da climática trilha sonora que acentua ainda
mais a síntese de mistério e delírio da narrativa. De se considerar ainda as
atuações de Nicole Kidman e Joseph Fiennes, que entregam algumas das
composições dramáticas mais complexas de suas carreiras.
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