sexta-feira, outubro 28, 2016

Terra estranha, de Kim Farrant ***1/2

As regiões desérticas da Austrália têm um histórico interessante como cenário expressivo de produções relevantes na história do cinema, vide produções antológicas como “A longa caminhada” (1971), “O corte da navalha” (1984), “A proposta” (2006) e toda a franquia “Mad Max”. Essa fascinante tradição se mantém em “Terra estranha” (2015), obra em que o deserto australiano funciona quase como se fosse um personagem próprio da trama, ditando não só as intempéries físicas sofridas pelos indivíduos como também servindo de fator simbólico das confusões existenciais de tais figuras. Em sua superfície, o roteiro tem como mote principal o desaparecimento de um casal de jovens irmãos numa árida cidade interiorana e toda a sorte que dúvidas e suspeitas que um evento como esse pode suscitar. A diretora Kim Farrant usa alguns clichês narrativos do gênero suspense, mas essa rendição ao convencional é ilusória. Aos poucos, a narrativa vai se tornando cada vez mais atmosférica e misteriosa, dando vazão a uma série de cenas marcadas por um perturbador misto de languidez a flor-da-pele, desejos difusos e frustrações sentimentais. A procura pelos adolescentes vai se tornando um processo de expiação de culpas e acerto de contas com o passado obscuro dos personagens. Farrant acerta no alvo ao não se preocupar com as aparentes pontas soltas da trama, levando mais em conta as consequências psíquicas dos fatos do que se concentrando em encontrar “bandidos”, o que fica evidenciado na poética, enigmática e algo libertária conclusão do filme. A abordagem estética adotada por Farrant para essa saga existencial é outro grande acerto, com uma direção de fotografia magnífica a explorar a riqueza de nuances imagéticas proporcionada pelos cenários desérticos em termos de iluminação e enquadramentos, além da climática trilha sonora que acentua ainda mais a síntese de mistério e delírio da narrativa. De se considerar ainda as atuações de Nicole Kidman e Joseph Fiennes, que entregam algumas das composições dramáticas mais complexas de suas carreiras.

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