Alguns dos filmes mais recentes do diretor Domingos de
Oliveira pecavam por um acabamento formal meio qualquer nota e um texto
autoindulgente, vide “Juventude” (2008) e “Paixão e acaso” (2012). Em “BR 716”
(2016), o cineasta corrige esse rumo criativo e entrega um dos seus trabalhos
mais expressivos e cativantes. Para começar, ele conta com uma direção de
fotografia de notável beleza plástica, num registro preto e branco que sublinha
com sensibilidade uma atmosfera mista de nostalgia e onirismo. Por se tratar de
uma obra de caráter memorialista e autobiográfica, marca de grande parte da
filmografia de Domingos, a narrativa vem marcada por algo de difuso e
exuberante, como se as lembranças viessem sob um prisma exagerado e sem um
grande compromisso com o “real”. Essa preferência pelo subjetivismo acaba
tornando o filme muito mais visceral e verdadeiro na forma com que retrata com
crueza e carinho os dilemas e contradições existenciais do protagonista Felipe
(Caio Blat), alter ego do diretor. Outro trunfo de “BR 716” é a uma encenação
que sabe unir rigor e um teor libertário, havendo um dinamismo coerente tanto
nas sutilezas dramáticas e cômicas dos momentos mais intimistas quanto na
caracterização dionisíaca das festas constantes promovidas por Felipe. Por se
tratar de um retrato geracional focado no Rio de Janeiro de 1964, há momentos
que a produção assume alguns clichês narrativos um tanto ingênuos na sua
contextualização histórica, mas isso na realidade se incorpora com naturalidade
dentro do próprio espírito de melancolia nostálgica da obra. Domingos de
Oliveira ainda acerta num dos pontos que costuma ser o seu forte, a direção de
atores, fazendo com que o seu elenco mostre algumas atuações memoráveis, como a
evocação de uma diva esfuziante de Sophie Charlotte, a caracterização alucinada
de Glauce Glima e mesmo a intepretação de Blat, que faz uma verdadeira
possessão incorporando os trejeitos e maneirismos típicos de Oliveira.
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