O que diferencia um documentário cinematográfico de uma
reportagem audiovisual? A pergunta pode parecer complexa e para alguns a
fronteira entre esses dois gêneros narrativos é até muito tênue, mas um filme
como “Curumim” (2016) acaba por estabelecer uma diferenciação bastante contundente.
O assunto principal de sua trama, a prisão e fuzilamento do brasileiro Marco
Archer na Indonésia por tráfico de drogas, foi bastante comentado na mídia. A
abordagem concebida pelo diretor Marcos Prado, entretanto, afasta-se do
meramente informativo, fazendo com que a sua obra seja uma viagem existencial
perturbadora tanto na mente de seu protagonista quanto nas circunstâncias
históricas e sociais do período abrangido na trajetória de Archer. Para isso,
Prado utiliza recursos diversos para compor a narrativa – filmagens próprias,
registros obtidos por Archer na prisão (onde aguardou por mais de 10 anos pela
sua execução), imagens de arquivo, depoimentos e até mesmo encenações. A edição
consegue equilibrar de maneira notável a precisão de um formalismo “profissional”
com o caráter amador de algumas tomadas, criando uma atmosfera ambígua na sua
mescla de “filme caseiro” e sóbrio retrato geracional. O formalismo criativo
articulado pelo cineasta consegue captar com sensibilidade e vigor as nuances
dramáticas da história contada, abrangendo a era de hedonismo e inocência do
Rio de Janeiro dos anos 70 e 80, a decadência de uma classe alta brasileira de
perfil aristocrático na virada do século, os “causos” movido a aventuras e
drogas do protagonista ao redor do mundo e a sua final degradação física e
mental trancafiado numa prisão fuleira nos cafundós da Ásia. Nesse relato sombrio
que se situa num ponto difuso entre o épico e o intimista, “Curumim” ainda se
permite de maneira sutil uma amarga reflexão sobre o sistema de valores
distorcidos que envolvem questões polêmicas como a pena de morte e o combate ao
tráfico de drogas. Nesse amplo espectro temático, as ambições artísticas e contestadoras
de Prado se mostram elevadas, com o cineasta dando conta de tais intenções com
a criatividade e ousadia das soluções narrativas e de conteúdo de uma produção
memorável.
Nenhum comentário:
Postar um comentário