quarta-feira, novembro 09, 2016

Curumim, de Marcos Prado ***1/2

O que diferencia um documentário cinematográfico de uma reportagem audiovisual? A pergunta pode parecer complexa e para alguns a fronteira entre esses dois gêneros narrativos é até muito tênue, mas um filme como “Curumim” (2016) acaba por estabelecer uma diferenciação bastante contundente. O assunto principal de sua trama, a prisão e fuzilamento do brasileiro Marco Archer na Indonésia por tráfico de drogas, foi bastante comentado na mídia. A abordagem concebida pelo diretor Marcos Prado, entretanto, afasta-se do meramente informativo, fazendo com que a sua obra seja uma viagem existencial perturbadora tanto na mente de seu protagonista quanto nas circunstâncias históricas e sociais do período abrangido na trajetória de Archer. Para isso, Prado utiliza recursos diversos para compor a narrativa – filmagens próprias, registros obtidos por Archer na prisão (onde aguardou por mais de 10 anos pela sua execução), imagens de arquivo, depoimentos e até mesmo encenações. A edição consegue equilibrar de maneira notável a precisão de um formalismo “profissional” com o caráter amador de algumas tomadas, criando uma atmosfera ambígua na sua mescla de “filme caseiro” e sóbrio retrato geracional. O formalismo criativo articulado pelo cineasta consegue captar com sensibilidade e vigor as nuances dramáticas da história contada, abrangendo a era de hedonismo e inocência do Rio de Janeiro dos anos 70 e 80, a decadência de uma classe alta brasileira de perfil aristocrático na virada do século, os “causos” movido a aventuras e drogas do protagonista ao redor do mundo e a sua final degradação física e mental trancafiado numa prisão fuleira nos cafundós da Ásia. Nesse relato sombrio que se situa num ponto difuso entre o épico e o intimista, “Curumim” ainda se permite de maneira sutil uma amarga reflexão sobre o sistema de valores distorcidos que envolvem questões polêmicas como a pena de morte e o combate ao tráfico de drogas. Nesse amplo espectro temático, as ambições artísticas e contestadoras de Prado se mostram elevadas, com o cineasta dando conta de tais intenções com a criatividade e ousadia das soluções narrativas e de conteúdo de uma produção memorável.

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