O grande trunfo artístico de “Tio Bernard – Uma antilição de
economia” (2015) está na ligação estético-existencial que se estabelece no
discurso sócio-político-econômico do seu protagonista, Bernard Maris,
economista e editor do periódico humorístico Charlie Hebdo, com a formatação
concebida pelo diretor Richard Brouillette. A narrativa do documentário
consiste basicamente num longo depoimento do citado intelectual, dado no ano de
2000, dissecando as contradições e hipocrisias do capitalismo moderno e também
expondo os mecanismos de manipulação e opressão escondidos por trás dos
discursos edificantes de livre mercado e prosperidade propagados por grande
parte de economistas e tecnocratas. Para acompanhar tal diatribe lúcida e
desafiadora, Brouillette utiliza uma abordagem que sintetiza urgência,
contenção de recursos e um teor reflexivo sobre o seu próprio mecanismo de
realização, em que mesmo detalhes de bastidores refletem uma atmosfera de
contestação e ironia. A edição se efetiva nas trocas de rolos de película,
detalhe esse que é incorporado dentro da própria encenação como recurso
dramático-cômico (é de se reparar que nesses “intervalos”, em que a tela
escurece, tio Bernard continua a falar sem parar e até acentua a acidez de suas
tiradas). O talento oratório, a capacidade de fundamentação arguta e o carisma de
Marin são aproveitados ao máximo diante dessa linguagem cinematográfica que
combina com precisão sofisticação e fúria. Tais soluções narrativas afastam a
obra do campo da simples reportagem e a configuram como um contundente libelo
humanista-artístico contra um ordenamento social e político marcado pela
injustiça e o absurdo e ajudam a entender como uma figura como a do tio Bernard
pode perturbar tanto o status quo vigente. Não por acaso, ele estava entre as
vítimas do lamentável atentado terrorista sofrido pelo Charlie Hebdo em janeiro
de 2015.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
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