A obra-prima “Drive” (2011) se provou como uma
extraordinária exceção dentro do estilo habitual do diretor Nicolas Winding
Refn, pois era uma obra marcada por uma narrativa precisa e de formalismo
clássico que se adaptava de acordo com a marca autoral do cineasta. Nas demais
produções de sua filmografia, o dinamarquês investe numa abordagem que valoriza
muito mais o sensorial e o atmosférico do que os meandros do roteiro, vide
filmes antológicos como “O guerreiro silencioso” (2009) e “Apenas deus perdoa”
(2013). “Demônio de neon” (2016) é uma continuação dos preceitos artísticos de
Refn – imagine-se um conto moral às avessas sobre a beleza e a inocência
marcado por uma ambientação difusa de hedonismo, horror e delírio onírico e se
pode ter uma ideia do que representa essa estranha narrativa. As referências
visuais e temáticas são diversas e insólitas, como o horror sensual e barroco
de Mario Bava, as nuances enigmáticas de David Lynch, o realismo de corres
berrantes de algumas produções oitentistas (leia-se “O fundo do coração” e “Dublê
de corpo”). Refn amarra todas essas influências e citações dentro de uma linguagem
coesa e particular, fazendo o espectador entrar num vórtice de loucura,
violência e erotismo, ora repugnante, ora bizarramente encantador. O esmero
estético se manifesta em cada detalhe do filme e não se reduz a mero exibicionismo
técnico, revelando notável sintonia existencial com a própria natureza
misteriosa e simbolista do roteiro, conforme pode ser observado na climática trilha
sonora de temas eletrônicos, na fotografia que varia com notável desenvoltura
entre o sombrio sutil e o luminoso exagerado, na encenação de síntese desconcertante
entre o naturalismo e o estilizado, na caracterização maneirista e icônica dos
personagens. Por falar nisso, é curioso perceber que no elenco da produção está
Karl Grusman, que atuou no papel principal de “Love” (2015), de Gaspar Noé, cineasta
que é uma espécie de gêmeo criativo existencial de Refn.
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