O diretor japonês Kiyoshi Kurosawa tem uma forte vinculação
com o cinema de gênero, principalmente na área de interligação entre o suspense
e o horror, mas sua abordagem artística é bastante diversa daquela de produções
nipônicas como “O chamado” (1998) e derivados. Isso fica bastante evidente em
sua obra mais recente, “Creepy” (2016). Não há grandes inovações em termos
formais e temáticos, e por vezes até pode haver um certo incômodo com algumas incongruências do roteiro. O forte de Kurosawa está na construção de uma atmosfera
densa e perturbadora de tensão e terror, na caracterização bizarra de
personagens e situações, na forte e sutil simbologia da trama e numa encenação
desconcertante que varia do intimismo dramático ao puro horror gore. Os clichês
narrativos tradicionais do gênero estão presentes de maneira constante, mas uma
das grandes sacadas do cineasta está na sua criatividade e virtuosismo
estéticos em manipular tais recursos e os colocar em cena sob uma perspectiva
insólita e mesmo de caráter desafiador. Nesse sentido, a relação emocional que
se estabelece no triângulo composto pelo protagonista Takakura (Yuko Takeuchi),
sua esposa Yasuko (Hidetoshi Nishijima) e o asqueroso psicopata Nishino
(Teruyuki Kagawa) revela nuances existenciais inquietantes, principalmente na
forma com que questiona valores morais e comportamentais. A lógica e prática distorcidas
de Nishino em induzir laços emocionais estimulando o vício em drogas pesadas e
exterminar famílias parece evocar uma espécie de expiação das hipocrisias da
sociedade moderna. Por trás desse discurso ambíguo há um complemento formal de
coerência sensorial impressionante, vide a fotografia de tons sombrios, a
trilha sonora de temas efetivamente assustadores e a edição que conduz a narrativa
como se fosse um macabro conto gótico.
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