Se em “Casa grande” (2015) o diretor Fellipe Barbosa
oferecia um retrato pálido e esquemático sobre a decadência moral e econômica
da burguesia nacional neste século, em “Gabriel e a montanha” (2017) o seu
discurso artístico-existencial se mostra melhor focado e por vezes até beirando
o poético. O grande acerto em suas abordagens narrativa e temática está na
forma com que o protagonista Gabriel Buchmann (João Pedro Zappa) é colocado em
cena – se no início da trama o personagem possui uma certa aura santificada,
idealizada, na maneira com que interage com as figuras que encontra em suas
andanças pela continente africano, aos poucos essa impressão vai se mostrando
enganosa, quando o que fica evidenciada é a ambiguidade das intenções e da
personalidade de Gabriel. A entrada em cena de Cris (Caroline Abras), namorada
dele, é fundamental nessa dissecação existencial. Em trechos de conversas e
mesmo na tensão amorosa entre o casal fica esboçado de maneira sutil as
possíveis razões que levaram Gabriel a realizar a sua jornada. Nas frustrações,
angústias e desejos do protagonista ficam sintetizadas um conjunto de valores e
ambições de uma jovem geração movida a arrivismo e insensibilidade. Quando Cris
volta a ficar ausente da narrativa, essa passa a se tornar mais rarefeita, a
atmosfera do filme envereda para algo entre o realismo e o etéreo e mesmo o
roteiro e estética privilegiam uma forte carga de simbologias textuais e
visuais. As escolhas de Gabriel se tornam bizarras, seu comportamento ainda
mais errático. Seu trágico fim deixa a fascinante interrogação – um suicídio
dissimulado ou apenas o resultado de escolhas cretinas? Fellipe Barbosa embala
essa história intrincada com algumas escolhas formais adequadas e, em
determinados momentos, até encantadoras, principalmente pela fluência cênica do
seu elenco (inclusive os nativos “amadores”), pela forma com que as belas
paisagens africanas são aproveitadas na direção de fotografia e nos expressivos
temas musicais étnicos da trilha sonora.
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