Um filme que lide com temas tabus como a morte e a velhice
navega em águas perigosas. Dependendo da forma com que aborde tais assuntos, poderá
cair no sentimentalismo fácil e no medíocre formato “obra edificante de lição
de vida”. “Lucky” (2017) envereda por essa temática sem cair em tais
armadilhas. Boa parte dos méritos está em algumas sábias escolhas criativas do
diretor John Carroll Lynch. Sua narrativa é seca e objetiva, com econômicos
toques oníricos, mas que se permite a algumas sequências pungentes. A
cronologia dos fatos que se sucedem no roteiro obedece a uma lógica humanista e
de complexidade psicológica, sem esquecer, entretanto, uma atmosfera que sintetiza
ironia e um imaginário icônico. As situações da trama inicialmente evocam um
teor realista, quase documental, ao evidenciar alguns sistemáticos atos do
cotidiano do protagonista Lucky (Harry Dean Stanton). Aos poucos, entretanto,
tais episódios vão adquirindo uma forte conotação simbólica, assim como as
sutis variações dessa rotina do personagem, a ilustrar uma melancólica e lúcida
reflexão sobre a decadência física e a finitude, sem cair necessariamente para
a afetação. A caracterização de Stanton no papel título também é fundamental
para a contundente concepção artística de Carroll Lynch – Lucky varia com naturalidade e coerência entre
a rudeza sincera e uma fragilidade comovente.
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