quarta-feira, dezembro 27, 2017

Jovem mulher, de Léonor Serraille ***

Em uma das tomadas iniciais de “Jovem mulher” (2017), há um plano-sequência fixo onde a protagonista Paula (Laetitia Dosch) dispara um quase monólogo confuso e raivoso, fazendo lembrar uma cena parecida do antológico “A mãe a e a puta” (1973). O filme de estreia da diretora Léonor Serraille não tem a excelência artística da aludida obra-prima de Jean Eustache, mas a sequência mencionada com a personagem principal consegue traduzir de maneira notável o espírito inquieto do trabalho de Serraille em termos formais e existenciais. A abordagem estética da obra se vincula a uma tradicional escola realista. A forma com que a cineasta conduz a narrativa, entretanto, traz uma fluidez admirável no conjunto encenação e montagem, contando ainda com um roteiro de forte subtexto irônico e contestador e com a atuação repleta de expressivas nuances dramáticas de Dosch. A conturbada trajetória de Paula após ser expulsa de casa pelo companheiro, marcada por explorações econômicas e abandonos morais, corresponde a uma espécie de viagem sensorial da personagem dentro do âmago de uma hipócrita sociedade patriarcal e excludente, ainda que embalada como exemplo de civilidade ocidental. Apesar de marcada por um certo teor panfletário sincero e contundente, é notável a coerência artística com que a trama se desenvolve, principalmente pelo fato de que a redenção de Paula venha através da aproximação com figuras outsiders, além da conclusão do filme apresentar uma carga libertária comovente e desafiadora.

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