Em uma das tomadas iniciais de “Jovem mulher” (2017), há um
plano-sequência fixo onde a protagonista Paula (Laetitia Dosch) dispara um
quase monólogo confuso e raivoso, fazendo lembrar uma cena parecida do
antológico “A mãe a e a puta” (1973). O filme de estreia da diretora Léonor
Serraille não tem a excelência artística da aludida obra-prima de Jean Eustache,
mas a sequência mencionada com a personagem principal consegue traduzir de
maneira notável o espírito inquieto do trabalho de Serraille em termos formais
e existenciais. A abordagem estética da obra se vincula a uma tradicional
escola realista. A forma com que a cineasta conduz a narrativa, entretanto,
traz uma fluidez admirável no conjunto encenação e montagem, contando ainda com
um roteiro de forte subtexto irônico e contestador e com a atuação repleta de
expressivas nuances dramáticas de Dosch. A conturbada trajetória de Paula após
ser expulsa de casa pelo companheiro, marcada por explorações econômicas e
abandonos morais, corresponde a uma espécie de viagem sensorial da personagem
dentro do âmago de uma hipócrita sociedade patriarcal e excludente, ainda que
embalada como exemplo de civilidade ocidental. Apesar de marcada por um certo
teor panfletário sincero e contundente, é notável a coerência artística com que
a trama se desenvolve, principalmente pelo fato de que a redenção de Paula
venha através da aproximação com figuras outsiders, além da conclusão do filme
apresentar uma carga libertária comovente e desafiadora.
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