quinta-feira, junho 21, 2018

Baronesa, de Juliana Antunes ****


A presença de Affonso Uchoa nos créditos como montador em “Baronesa” (2017) não é mera coincidência. Os dois filmes dele como diretor, “A vizinhança do tigre” (2014) e “Arábia” (2017), têm forte conexão artística e existencial com a obra dirigida por Juliana Antunes. Estão lá a temática social e a narrativa ficcional que emula traços documentais (isso sem falar no uso de canções dos Racionais MC’s nas trilhas sonoras desses longas-metragens). Mas enquanto nos trabalhos mencionados de Uchoa há uma atmosfera mais difusa e lírica, em “Baronesa” a pegada é mais crua e direta e mesmo a trama se desenvolve em um modelo mais linear. Isso não quer dizer, entretanto, que “Baronesa” seja menos criativo e impactante. Pelo contrário. A encenação do cotidiano de realidade das protagonistas Andreia e Leidiane tem uma fluidez impressionante – por mais que o espectador saiba que aquilo que está na tela é fruto de um trabalho de interpretação, há um ponto em que essa dramatização traz uma carga de veracidade tão intensa que joga o filme para um limite perturbador entre o documental e o encenado; nesse sentido, destaque para o tenebroso episódio de abuso sexual entre os filhos de Leidiane. Colabora muito para isso a intensidade e desenvoltura das atuações do elenco, com a cineasta extraindo momentos antológicos na interação cênica entre esses “amadores”, com direito a nuances desconcertantes nas variações que se estabelecem entre o cômico e o trágico. Juliana Antunes também demonstra um senso imagético e narrativo extraordinário, vide a direção de fotografia que valoriza tanto as sequências mais intimistas em ambientes fechados quanto as tomadas de grandes planos abertos nas favelas que servem de cenário para filme, além do sóbrio ritmo narrativo que respeita a encenação minuciosa concebida pela diretora.

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