O cinema do diretor francês Philippe Garrel obedece a um
fluxo narrativo muito particular. Isso é bastante evidente em “Amante por um
dia” (2017). A partir de uma premissa simples de roteiro, situações e
personagens se desenvolvem de uma maneira fluída, não obedecendo a maniqueísmos
morais e fórmulas estéticas. A encenação valoriza os gestos do cotidiano, as
reações imprevisíveis, a sutil expressividade dos olhares dos atores. A
atmosfera até remete a um certo tom solene ao esmiuçar a jornada intimista dos
personagens, principalmente no que sugere a combinação de uma voz de narração
de traço e texto quase literário e os discretos e românticos temas musicais
incidentais, mas há uma ágil e moderna desenvoltura na forma com que as coisas se
desenrolam em cena. Se as sequências envolvendo diálogo revelam delicadeza e
sobriedade na sua condução e ambientação, nas ótimas cenas de sexo há uma
intensidade visceral na coreografia dos corpos, como se sugerisse uma contundente
contraposição entre a racionalidade do discurso amoroso/intelectual com a crueza
carnal do coito. Ao longo da narrativa, essa concepção artística de Garrel vai
configurando uma coerência formal e textual contundente, até chegar a uma
conclusão que desconcerta o espectador ao dispensar arroubos emocionais e
moralismos fáceis. Para Garrel, o que existe na vida e na arte é simplesmente o
destino que ignora crenças e regras sentimentais dos indivíduos que rege.
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