O cineasta francês François Ozon conseguiu deixar em sua
filmografia uma marca autoral marcada pelo insólito – sua assinatura artística
é marcada por uma síntese/pastiche de elementos narrativos de melodrama,
suspense e musical, por vezes alternando tais gêneros, em outros momentos
juntando-os na mesma obra. Em meio a altos e baixos em sua trajetória fílmica,
em “O amante duplo” (2017) ele atinge o seu pico criativo dentro de suas
particulares concepções narrativas-estéticas. Há algo na obra que evoca uma
junção alucinada entre o barroquismo de Brian De Palma e as atmosferas mórbidas
de David Cronenberg. Tais referências não são disparatadas. Ozon abusa de
truques formais (fusões de imagens, jogos de espelhos, split camera, trucagens
digitais), relacionando tais efeitos imagéticos a uma ambientação que oscila
entre a realidade e o delírio de maneira vertiginosa. Nesse sentido, o
sensorialismo do filme é desconcertante para o espectador. A impressão
constante é de uma narrativa pontuada por vários despertares de um sonho ruim
em que logo depois se descobre que apenas se entrou em um novo pesadelo. Mesmo
as sequências eróticas, de forte expressão gráfica, são contaminadas por um tom
doentio e onírico, como se o sensual e o patológico estivessem irmanados sem o
menor constrangimento. Nessa formatação artística, um roteiro repleto de
chavões básicos do suspense em termos de viradas de trama e soluções temáticas
acaba ganhando uma dimensão existencial de tensão perturbadora e profundidade
psicológica atordoante. O desempenho do elenco principal está em perfeita
sintonia com esse espírito alucinado de “O amante duplo”, com Marine Vacth e
Jérémie Renier entregando composições dramáticas carregadas de ambiguidades e
violentas variações de expressões e gestuais.
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