quarta-feira, janeiro 27, 2016

A grande aposta, de Adam McKay ***1/2

O cineasta Adam McKay talvez seja o grande nome da comédia norte-americana do século XXI. Ele obteve uma síntese artística extraordinária ao combinar um humor físico beirando o escatológico e o grosseiro com um fino senso crítico do american way of life. Dentro desse estilo particular, lançou algumas produções cômicas antológicas como “O âncora” (2004), “Ricky Bobby” (2006) e “Quase irmãos” (2008). Se em “Tudo por um furo” (2013) houve a impressão de que essa sua habitual “fórmula” criativa dava sinais de cansaço, em “A grande aposta” (2015) ele mostra uma ousada reformulação em seus preceitos narrativos. Num primeiro momento, esse seu trabalho mais recente dá a impressão de mudança radical inclusive de gênero cinematográfico, com McKay enveredando para o “drama baseado em fatos reais”. E não seriam quaisquer eventos verídicos: a trama tem por mote principal a crise econômica de 2008 que levou milhões a perderem empregos e moradias nos Estados Unidos. Por mais que tal temática tenha a sua aura de seriedade, McKay se permite empregar o seu notório senso de humor ácido, só que de forma mais sutil e com resultados igualmente demolidores. Ao invés de investir numa simples narrativa naturalista e linear, o diretor insere alguns truques estéticos desconcertantes, principalmente elementos de metalinguagem. Dá para sentir em cada fotograma de “A grande aposta” que as ambições artísticas de McKay são grandes para sua obra, com o filme se pretendo como uma espécie de panorama épico a retratar a decadência econômica e moral de uma nação. A encenação, por vezes, se caracteriza como um verdadeiro teatro do absurdo – por mais que a caracterização de situações e personagens possam parecer caricatas, tal direcionamento conceitual é o perfeito complemento para uma história repleta de episódios que beiram o delirante, ainda que sejam verdadeiros. A visão existencial da obra é de uma lucidez cortante e melancólica, em que o capitalismo de consumismo e lucro desenfreados é encarado por banqueiros, corretores da bolsa e mesmo pelos pobres coitados que são rapinados como uma verdadeira religião. Em alguns momentos, McKay invoca aquele idealismo social típico de Frank Capra, com o personagem Mark Baum (Steve Carell) parecendo um James Stewart do novo milênio, ainda que com uma dose de cinismo e desilusão mais considerável, fazendo um contraponto com uma época mais esperançosa e ingênua. O elenco do filme também se mostra em sintonia com essa atmosfera alucinada que impera em “A grande aposta”, com destaque para as sutis nuances dramáticas de Christian Bale, a caracterização fanfarrona de Ryan Gosling e a fúria amarga de Carell.


É interessante notar como “A grande aposta” forma com “Spotlight” e “Steve Jobs”, outras duas produções de 2015 também oscarizáveis, uma trinca de obras que parecem traçar um contundente panorama social, econômico e cultural da sociedade norte-americana dessas últimas décadas, mostrando a força das estruturas de poder do capitalismo em tempos de cólera.

Um comentário:

Marcelo Castro Moraes disse...

Uma grata surpresa nessa temporada de filmes indicados ao Oscar. Visitem o meu blog de cinema: http://cinemacemanosluz.blogspot.com.br