O cineasta Adam McKay talvez seja o grande nome da comédia
norte-americana do século XXI. Ele obteve uma síntese artística extraordinária
ao combinar um humor físico beirando o escatológico e o grosseiro com um fino
senso crítico do american way of life. Dentro desse estilo particular, lançou
algumas produções cômicas antológicas como “O âncora” (2004), “Ricky Bobby” (2006)
e “Quase irmãos” (2008). Se em “Tudo por um furo” (2013) houve a impressão de
que essa sua habitual “fórmula” criativa dava sinais de cansaço, em “A grande
aposta” (2015) ele mostra uma ousada reformulação em seus preceitos narrativos.
Num primeiro momento, esse seu trabalho mais recente dá a impressão de mudança
radical inclusive de gênero cinematográfico, com McKay enveredando para o “drama
baseado em fatos reais”. E não seriam quaisquer eventos verídicos: a trama tem
por mote principal a crise econômica de 2008 que levou milhões a perderem
empregos e moradias nos Estados Unidos. Por mais que tal temática tenha a sua
aura de seriedade, McKay se permite empregar o seu notório senso de humor
ácido, só que de forma mais sutil e com resultados igualmente demolidores. Ao
invés de investir numa simples narrativa naturalista e linear, o diretor insere
alguns truques estéticos desconcertantes, principalmente elementos de
metalinguagem. Dá para sentir em cada fotograma de “A grande aposta” que as ambições
artísticas de McKay são grandes para sua obra, com o filme se pretendo como uma
espécie de panorama épico a retratar a decadência econômica e moral de uma
nação. A encenação, por vezes, se caracteriza como um verdadeiro teatro do
absurdo – por mais que a caracterização de situações e personagens possam
parecer caricatas, tal direcionamento conceitual é o perfeito complemento para
uma história repleta de episódios que beiram o delirante, ainda que sejam
verdadeiros. A visão existencial da obra é de uma lucidez cortante e
melancólica, em que o capitalismo de consumismo e lucro desenfreados é encarado
por banqueiros, corretores da bolsa e mesmo pelos pobres coitados que são
rapinados como uma verdadeira religião. Em alguns momentos, McKay invoca aquele
idealismo social típico de Frank Capra, com o personagem Mark Baum (Steve
Carell) parecendo um James Stewart do novo milênio, ainda que com uma dose de
cinismo e desilusão mais considerável, fazendo um contraponto com uma época
mais esperançosa e ingênua. O elenco do filme também se mostra em sintonia com
essa atmosfera alucinada que impera em “A grande aposta”, com destaque para as
sutis nuances dramáticas de Christian Bale, a caracterização fanfarrona de Ryan
Gosling e a fúria amarga de Carell.
É interessante notar como “A grande aposta” forma com “Spotlight”
e “Steve Jobs”, outras duas produções de 2015 também oscarizáveis, uma trinca
de obras que parecem traçar um contundente panorama social, econômico e
cultural da sociedade norte-americana dessas últimas décadas, mostrando a força
das estruturas de poder do capitalismo em tempos de cólera.
Um comentário:
Uma grata surpresa nessa temporada de filmes indicados ao Oscar. Visitem o meu blog de cinema: http://cinemacemanosluz.blogspot.com.br
Postar um comentário