O rústico peão Iremar (Juliano Cazarré) trabalha nos
bastidores de um rodeio itinerante – alimenta os bois, limpa a merda deles,
atiça os bichos em momentos cruciais dos eventos. Quando tem um tempo,
dedica-se a criar e costurar roupas femininas, mostrando criatividade e ousadia
expressivas. O fato de atuar em dois polos aparentemente tão distintos,
entretanto, não é apresentado como sinal de uma possível ambiguidade sexual –
tanto que a longa e detalhada sequência em que transa com uma mulher que
conheceu na estrada, uma das melhores cenas de sexo do cinema brasileiro dos
últimos tempos, revela sua heterossexualidade plena. Esse caráter libertário na
caracterização desse personagem é fortemente simbólico da proposta
estética-existencial de “Boi neon” (2015). Ainda que aparentemente esteja atrelado
a uma narrativa linear, o filme do diretor Gabriel Mascaro se desvincula de
maneira vigorosa de clichês e concessões. Na trama, há diversos elementos e
situações que trazem uma conotação metafórica contundente – os peões que
masturbam um cavalo para roubar seu sêmem, os trabalhadores que tomam banho
juntos numa ambientação que tanto alude a homoerotismo velado quanto a
naturalidade da convivência de parceiros de labuta, a mulher que transa com um
peão metrossexual de longos cabelos alisados (a encenação noturna faz com que
se veja silhuetas dos personagens, sugerindo na aparência uma transa lésbica),
a menina que convive sem maiores traumas num ambiente de sensualidade latente e
brutalidade instintiva (sua fixação em cavalos poderia ser uma possiblidade de
fuga imaginária?), a ausência de uma efetiva posição preconceituosa dos
personagens em relação a comportamentos fora dos padrões “normais”. Na
conjugação disso tudo, o roteiro não busca soluções ou amarrações de pontas
soltas, mas sim estabelecer um retrato cru e humanista dos desejos e
frustrações de tais figuras. É como se por questão de quase duas horas fosse
permitido ao espectador assistir pela fresta alguns flagrantes das vidas dessas
pessoas. Nesse viés, o cotidiano prosaico demonstra um impacto dramático muito
mais convincente do que se tivesse grandes viradas novelescas na trama. E mesmo
o que era para ser uma abordagem naturalista acaba se revelando difusa, pois as
intervenções cênicas envolvendo os figurinos elaborados por Iremar trazem um
conteúdo indefinido e fascinante entre o onírico e o real. O requinte formal de
Mascaro para embalar essa espécie de fábula amoral cabocla é extraordinário, em
que o registro de tons reflexivos e melancólicos de algumas cenas convive de
forma harmônica e intrínseca com a encenação vigorosa dos rodeios e os seus
bastidores. A síntese de todas essas escolhas artísticas de Nassaro faz com que
“Boi neon” se configure como uma bela e poética alegoria sobre o desejo e a
liberdade, na tradição de outras obras recentes do cinema nacional como “A
febre do rato” (2011) e “Tatuagem” (2013).
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