Por mais que os métodos narrativos do diretor e roteirista
Charlie Kaufman possam parecer atípicos, a verdade é que o seu universo
artístico não chega a ser exatamente hermético. Suas tramas versam sobre uma
temática de forte caráter humanista, como se fossem um retrato existencial do
homem moderno e seus dilemas e contradições – a sensação de desajuste social,
as dificuldades e as inconstâncias nas relações humanas, o vazio existencial.
As escolhas por soluções estéticas inusitadas não são gratuitas, caracterizando
uma forma bastante coerente a retratar os aspectos difusos das situações e
personagens que aparecem nas histórias concebidas por Kaufman. Num contexto
geral, a conjunções entre essas características textuais e formais criam uma
forte relação de identificação com boa parte da audiência. Esse viés autoral de
Kaufman se preserva de forma consistente em “Anomalisa” (2015). Há um atrativo
diferente nessa nova empreitada do cineasta, o de enveredar pelo campo da
animação, e isso acaba se revelando como uma opção que ao longo da narrativa
mostra a sua pertinência. O filme se baseia num intenso jogo de simbolismos
visuais e sonoros a retratar a mente em colapso do protagonista Michael Stone
(David Thewis): todos as pessoas com quem o personagem principal se relaciona
apresentam o mesmo rosto e a mesma voz, fazendo com que ele fique em um
permanente estado de ânimo misto de desinteresse e angústia. O fato da produção
ser uma animação faz com que as possibilidades audiovisuais fiquem mais amplas
a retratar esse mundo perturbador que está dentro da cabeça de Stone. Dentro
dessa lógica, a narrativa por vezes se mostra como um sutil pesadelo, com
Kaufman e o codiretor Duke Johnson sabendo conduzir a história com sensibilidade
no limite entre o real e o onírico. O grafismo da animação entra em sintonia
perfeita com o espírito da trama, em que não há um grande rebuscamento
imagético, mas que também é extremamente expressiva na valorização de nuances
de olhares e gestuais. A entrada em cena de Lisa (Jennifer Jason Leigh) realça
ainda mais os detalhes formais e temáticos da obra. Os diálogos que ela tem com
Michael e mesmo a crua sequência de sexo entre os dois têm um lirismo a
flor-da-pele raro de ser no cinema atual. A figura de Lisa também tem o papel
fundamental a mostrar a efetiva percepção do que significa o atribulado
comportamento de Michael. O caráter metafórico da encenação e do roteiro de “Anomalisa”
é até simples no seu sentido e execução, sem que com isso se perca uma
profundidade contundente capaz tanto de encantar quanto incomodar o espectador.
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