segunda-feira, janeiro 04, 2016

Orestes, de Rodrigo Siqueira ***1/2

Em Orestes (2015), o diretor Rodrigo Siqueira formata sua narrativa a partir de três planos. Num deles, mais tradicional, são colhidos depoimentos de pessoas que tiverem parentes mortos violentamente na ditadura militar ou por suspeitos enfrentamentos com a polícia anos após o fim da mesma ditadura, além de serem mostradas imagens de arquivo referentes aos assuntos em questão. Num segundo plano narrativo, essas mesmas pessoas participam de uma espécie de terapia em conjunto, gerando sessões de psicodrama onde interpretam episódios e conflitos relacionados aos seus históricos particulares. Por fim, há uma outra encenação, dessa vez relacionando motes da clássica tragédia grega “Orestes”, de Eurípides, a um fictício crime de parricídio contemporâneo, gerando uma audiência judicial simulada. Apesar da estrutura aparentemente intrincada, a intenção de Siqueira é clara – suas escolhas artísticas revelam um método dialético para expor sua visão de mundo em relação à questão da violência estatal contra o indivíduo, principalmente aquele pertencente a camadas sociais mais baixas, mostrando que o comportamento abusivo e repressor dos órgãos de segurança é uma herança nefasta do período de ausência de um efetivo Estado de Direito na época da ditadura militar. Talvez esse processo criativo de Siqueira possa ser considerado panfletário por alguns, mas ele parece não temer isso e nem negar suas ideias. Os seus mecanismos de narrativa referendam uma perspectiva de forte caráter humanista ao questionar conceitos tão banalizados na mídia conservadora ou por políticos oportunistas e fundamentalistas religiosos: bandidos merecem serem mortos barbaramente pela polícia? A questão da violência e da marginalidade tem relação apenas com uma luta entre “o bem e o mal”? Orestes é uma obra profundamente questionadora da concepção reacionária de que a matéria da segurança pública se resume apenas a um caso de polícia. Para isso se utiliza de um arsenal de contundentes recursos estéticos e narrativos para fazer valer seu engajamento social. Nesse sentido, Siqueira mostra que a arte pode ser alentadora no sentido de afastar a humanidade da barbárie, afinal a própria peça de Eurípides, datada de 408 A.C., foi um dos primeiros registros da literatura ocidental a contestar a lei de talião (a da máxima “olho por olho, dente por dente”). A continuidade que o cineasta propõe para essa tradição milenar da arte é ambiciosa e fascinante, um tríptico de política-psicologia-arte, que resulta numa obra singular e impactante. O cerne criativo de Orestes está nos catárticos psicodramas, que extrapolam até mesmo os limites entre o terapêutico e o artístico. As encenações são elaboradas com um vigor e sensibilidade tão intensos, a expor medos, tristezas, frustrações e hipocrisias, que acabam por constituir um cinema instintivo e memorável.

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