A produção francesa “Elle” (2016) é uma bela síntese das
concepções autorais muito particulares do cineasta holandês Paul Verhoeven,
combinando refinamento narrativo com um sensorialismo visceral. Estão lá boa
parte dos clichês básicos do gênero suspense, mas eles são manipulados com uma
elegância fenomenal e ao mesmo tempo também são pervertidos dentro de uma trama
repleta de desdobramentos insólitos e um forte conteúdo simbólico (nesse
sentido, é antológica a sequência do jantar de natal, em que a composição e
dinâmica da mesa reflete as divisões sócio-econômicas-culturais da sociedade
ocidental contemporânea). O roteiro em sua primeira metade até insinua um
formato que evoca a atmosfera de algumas obras de Alfred Hitchcock, principalmente
naquela fórmula “quem é o culpado”, mas esse direcionamento aparentemente
convencional vai se tornado cada vez mais difuso, com Verhoeven transformando a
narrativa numa espécie de perturbadora parábola moral. Os dilemas e
contradições da protagonista Michèle (Isabelle Huppert) são complexos e por
vezes até bizarros, mas exalam uma humanidade crua e contundente na forma
plural com que as diversas facetas da personagem se expõem e interagem
(sentimental/existencial/profissional). Esse contexto temático repleto de
nuances recebe um tratamento formal bastante lapidado, com destaque para a
encenação precisa na sua junção de naturalidade e detalhismo imagético, vide as
intensas cenas de sexo e violências (aliás, na melhor tradição Paul Verhoeven),
e as sequências em que os games eletrônicos se inserem na narrativa, guardando
uma correlação irônica sensacional com aquilo que se passa no mundo “real” da trama,
além da trilha sonora tensa e sedutora e o elenco de atuações antológicas
(Huppert, por sinal, num dos grandes momentos de sua expressiva carreira).
Um comentário:
Disparado um dos melhores filmes do ano
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