O escritor escocês Mark Millar é um nome fundamental para se
entender não só o cenário dos quadrinhos contemporâneos como também a cada vez
mais intensa relação que se estabelece entre as indústrias das HQs e do cinema.
Millar é o roteirista de algumas das principais obras dos comics nos últimos 25
anos, além do fato de que boa parte dos títulos que fazem parte do seu selo
Millarworld já recebeu versões para a tela grande – sem contar que os filmes
dos Vingadores se baseiam em conceitos que Millar desenvolveu na série “Os
supremos” (no caso, os Vingadores do alternativo universo Ultimate da Marvel).
A franquia cinematográfica “Kingsman” é originária de uma minissérie da
MIllarworld, com um detalhe a mais: esse “Kingsman: O círculo dourado” (2017) é
uma continuação para os cinemas, mas que ainda nem se efetivou nos quadrinhos!
A curiosidade de tais dados estatísticos e comerciais exemplificam como os
quadrinhos se tornaram uma inesgotável fonte de estratégias de marketing e
lucro para as grandes corporações midiáticas, mas, no final das contas, não são
garantia de que o filme em questão será relevante como narrativa
cinematográfica. E nesse último quesito, o longa-metragem dirigido por Matthew
Vaughn deixa bastante a desejar. Para começar, os principais motes dramáticos
da trama da obra original de Millar são explorados de maneira superficial. Se
na minissérie havia uma certa ambiguidade na atmosfera e uma visão crítica
sobre o dilema político do conflito segurança versus liberdade, tema esse
recorrente nos quadrinhos de Millar, em “O círculo dourado” praticamente tais
características se perdem em meio a uma concepção estética e textual bastante
esquemática e superficial, com um roteiro que escancara um discurso
sócio-político maniqueísta e conservador. Mesmo no quesito de aventura
escapista o filme de Vaughn é frustrante, perdendo-se numa encenação e ritmo
narrativo que mais remetem a um vídeo game genérico. Vaughn até procura dar uma
certa credibilidade para a obra ao inserir algumas referências à cultura pop e
um tom galhofeiro em algumas sequências, mas tudo isso acaba soando estéril ou
forçado diante do convencionalismo inexpressivo das suas escolhas formais e do
desenvolvimento do roteiro. E a sensação de decepção fica ainda mais reforçada
quando vem à lembrança de que se trata do mesmo cineasta de trabalhos
memoráveis como “Nem tudo é o que parece” (2004), “Kick ass” (2010) e “X-Men:
Primeira classe” (2011).
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