Nos anos 60, os atores
Paulo José e Gianfrancesco Guarnieri contracenaram juntos em peças importantes
da história do teatro brasileiro. Por uma dessas coincidências da vida, “Todos
os paulos do mundo” (2018) e “Guarnieri” (2017), documentários que focam a vida
desses dois artistas, acabaram tendo estreia nacional nos cinemas praticamente
na mesma época. Mas enquanto o primeiro filme tem um enfoque primordial na
figura de seu protagonista como homem de cinema, na obra dirigida por Francisco
Guarnieri, neto do cinebiografado em questão, o conceito é outro. Logo no
início da narrativa, é estabelecida a relação entre o Gianfrancesco Guarnieri
ator/diretor/dramaturgo/letrista/ativista político com a contraparte desse
mesmo homem como pai de família. No desenvolvimento do filme, sutilmente, essa
ideia sempre estará presente. Nos primeiros momentos, há uma percepção de um certo
ressentimento emocional por parte do diretor pelo fato de Gianfrancesco nunca
ter correspondido a um certo padrão idealizado do que deveria ser um pai e avô
ativo e presente. Aos poucos entretanto, a partir de uma concepção artística que
beira o dialético na forma com que vários trechos de imagens de arquivo de
peças, filmes, novelas e entrevistas que trazem Gianfrancesco em cena se
entrecruzam com os depoimentos dos filhos Paulo e Flávio, essa visão de mágoa
familiar vai se esvanecendo, principalmente na constatação natural e fluida que
se passa a ter da tremenda riqueza cultural e pessoal que irradiava da figura
de tal patriarca. A vida e obra de Gianfrancesco Guarnieri refletiam não apenas
alguns dos mais relevantes episódios artísticos do Brasil da década de 50 até
hoje, como também alguns dos mais emblemáticos dilemas sócio-políticos da nação
que reverberam ainda na atualidade. Diante da efervescência de um cenário como
esse e da própria postura humanista de Gianfrancesco, fica claro para o neto
cineasta, filhos e o espectador de que tentar encaixar tal indivíduo a partir
de critérios moralistas e maniqueístas seria simplista e vazio. O próprio personagem
principal do documentário afirma em um determinado momento que não consegue se
encaixar nesse tipo de definições. O ponto mais fascinante de “Guarnieri” está
justamente na forma com que uma inquietação intimista acaba se convertendo de
maneira sensível e precisa na exposição contundente e apaixonada do enorme legado
artístico e existencial de um homem singular.
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