É interessante como às vezes um filme aparentemente
despretensioso e escapista pode ser muito mais revelador do espírito de uma
época do que muitas produções ditas sérias. Esse é justamente o caso de “O
roubo da taça” (2016). A trama ficcional usa elementos de fatos reais,
principalmente ligados ao célebre roubo da taça Jules Rimet no início dos anos
80, tendo uma narrativa que remete a clássicos elementos de comédias de erro e
chanchadas, abordagem essa que é ainda mais acentuada pela ótima e debochada
atuação de Paulo Tiefenthaler no papel do protagonista Peralta. A atmosfera do
filme tem um forte caráter caricatural, até em excesso em algumas situações,
mas consegue evidenciar um dos lados mais tenebrosos do período da ditadura
militar no Brasil – a síntese de bagunça, brutalidade e completo desrespeito ao
estado de direito por parte do conjunto militares, policiais e demais
colaboradores do regime. A simples falta de método e ordem para investigar um
crime, usando como critérios únicos a violência e a ocasional sorte, reflete um
país que parecia resistir a qualquer custo a ter como base elementos essenciais
para qualquer nação como o humanismo e o racionalismo. Os azares e equívocos de
Peralta em meio a um ambiente marcado pelo absurdo político-existencial que
beira o kafkaniano tem algo de tragicômico, e que de certa forma dá uma
impressão ainda mais perturbadora para o espectador quando esse percebe que as
coisas não mudaram muito nos dias presentes.
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