terça-feira, maio 08, 2018

O roubo da taça, de Caito Ortiz ***


É interessante como às vezes um filme aparentemente despretensioso e escapista pode ser muito mais revelador do espírito de uma época do que muitas produções ditas sérias. Esse é justamente o caso de “O roubo da taça” (2016). A trama ficcional usa elementos de fatos reais, principalmente ligados ao célebre roubo da taça Jules Rimet no início dos anos 80, tendo uma narrativa que remete a clássicos elementos de comédias de erro e chanchadas, abordagem essa que é ainda mais acentuada pela ótima e debochada atuação de Paulo Tiefenthaler no papel do protagonista Peralta. A atmosfera do filme tem um forte caráter caricatural, até em excesso em algumas situações, mas consegue evidenciar um dos lados mais tenebrosos do período da ditadura militar no Brasil – a síntese de bagunça, brutalidade e completo desrespeito ao estado de direito por parte do conjunto militares, policiais e demais colaboradores do regime. A simples falta de método e ordem para investigar um crime, usando como critérios únicos a violência e a ocasional sorte, reflete um país que parecia resistir a qualquer custo a ter como base elementos essenciais para qualquer nação como o humanismo e o racionalismo. Os azares e equívocos de Peralta em meio a um ambiente marcado pelo absurdo político-existencial que beira o kafkaniano tem algo de tragicômico, e que de certa forma dá uma impressão ainda mais perturbadora para o espectador quando esse percebe que as coisas não mudaram muito nos dias presentes.

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