sexta-feira, maio 11, 2018

Morrer aos trinta anos, de Romain Goupil ****


A temática relativa ao maio de 1968 é um ponto em comum entre os documentários “Morrer aos trinta anos” (1982) e “No intenso agora” (2017). Tanto que esse último cita explicitamente em imagens o primeiro. Mas há fortes diferenças existenciais e artísticas entre tais produções. Se na brilhante obra brasileira dirigida por João Moreira Salles a narrativa se baseia exclusivamente em imagens de arquivo filmadas por terceiro e apresenta um olhar desencantado e subtexto sutilmente conservador, no filme francês dirigido por Romain Goupil o enfoque é praticamente o oposto – grande parte do que é mostrando em termos de imagens vem de filmagens próprias de Goupil e sua visão pessoal sobre os eventos tem expressivos traços melancólicos, mas sem perder uma certa verve de entusiasmo e carinho por todos aqueles fatos nos quais teve uma participação direta. E aí está justamente um dos grandes pontos de fascínio em seu longa-metragem, em que o intimismo e a ambientação sócio-política parecem se entrelaçar como se fosse uma coisa só. A dinâmica dos fatos mostrados em tela não tem apenas o caráter histórico de situações que estão congelados hoje em dia no tempo e no espaço para estudos. Na concepção de Goupil toda aquela engrenagem ainda está em movimento, ou melhor, já estava em franco desenvolvimento antes mesmo do maio de 1968. Assim, “Morrer aos trinta anos” não é um simples relato histórico. Também é a expressão, mista de emotividade e racionalismo, de uma série de sentimentos, desejos, utopias e frustrações, elementos esses que se configuram intensamente na trajetória pessoal de Michel Recanati, o real protagonista do documentário, agente ativo do maio de 68 e seus desdobramentos ao longo dos anos e que teve um fim precoce ao cometer suicídio. Na obra-prima de Goupil, não cabe explicações prontas para as atitudes de Recanati e seus companheiros ou precisos julgamentos morais para os fatos mostrados na tela. No final das contas, o que resta para o imaginário do espectador é o fascínio e o mistério diante de personagens que desafiaram um ordenamento sócio-político marcado pela opressão e pragmatismo desumanos.

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