terça-feira, maio 29, 2018

O fundo do ar é vermelho, de Chris Marker ****


Considero que o melhor equivalente artístico-existencial para o documentário “O fundo do ar é vermelho” (1977) é a o ensaio histórico-literário “Rumo à Estação Finlândia”. Ambas as obras procuram traçar um amplo panorama sobre a evolução do pensamento socialista no mundo, bem como as suas concepções teóricas acabaram se cristalizando em ações. Se o livro de Edmund Wilson é marcado pelo rigor intelectual e filosófico, o filme de Chris Marker estrutura sua narrativa como se fosse um atordoante fluxo sensorial e poético, em que a ordem linear dos fatos e ideias não se constrói de forma exatamente clássica e acadêmica. O espectador entra em um vórtice de trechos audiovisuais de origens diversas, de reportagens para a televisão a registros amadores. A narrativa pode parecer por vezes caótica e aleatória, mas essa impressão é enganadora – de maneira sutil, há sempre o senso de unidade e coerência na direção de Marker. Essa sua formatação desconcertante na realidade procura obedecer ao forte caráter emocional e ideológico que a torrente de imagens e depoimentos extravasa com fúria e paixão, sem que se perca, entretanto, uma lúcida visão sobre os rumos conturbados dos indivíduos e seus ideais. Dento de tal concepção artística e temática, por vezes as sensações se avolumam como uma montanha russa, variando da sincera admiração e carinho por pessoas e suas convicções e atitudes até a melancolia pelas suas várias derrotas e repressões sofridas – nesse último caso, tal percepção se aprofunda de maneira dolorosa no terço final da narrativa. Apesar disso, “O fundo do ar é vermelho” está muito longe do óbvio pessimismo ou da “desilusão” hipócrita. O vigor da narrativa e dos ideais humanistas expostos é aquilo que fica efetivamente gravado em nosso imaginário. A força das imagens finais e o belo discurso que as acompanha reforçam esse caráter desafiador e poético do documentário de Marker.

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