Considero que o melhor
equivalente artístico-existencial para o documentário “O fundo do ar é vermelho”
(1977) é a o ensaio histórico-literário “Rumo à Estação Finlândia”. Ambas as obras
procuram traçar um amplo panorama sobre a evolução do pensamento socialista no
mundo, bem como as suas concepções teóricas acabaram se cristalizando em ações.
Se o livro de Edmund Wilson é marcado pelo rigor intelectual e filosófico, o
filme de Chris Marker estrutura sua narrativa como se fosse um atordoante fluxo
sensorial e poético, em que a ordem linear dos fatos e ideias não se constrói
de forma exatamente clássica e acadêmica. O espectador entra em um vórtice de
trechos audiovisuais de origens diversas, de reportagens para a televisão a
registros amadores. A narrativa pode parecer por vezes caótica e aleatória, mas
essa impressão é enganadora – de maneira sutil, há sempre o senso de unidade e
coerência na direção de Marker. Essa sua formatação desconcertante na realidade
procura obedecer ao forte caráter emocional e ideológico que a torrente de
imagens e depoimentos extravasa com fúria e paixão, sem que se perca,
entretanto, uma lúcida visão sobre os rumos conturbados dos indivíduos e seus
ideais. Dento de tal concepção artística e temática, por vezes as sensações se
avolumam como uma montanha russa, variando da sincera admiração e carinho por
pessoas e suas convicções e atitudes até a melancolia pelas suas várias
derrotas e repressões sofridas – nesse último caso, tal percepção se aprofunda
de maneira dolorosa no terço final da narrativa. Apesar disso, “O fundo do ar é
vermelho” está muito longe do óbvio pessimismo ou da “desilusão” hipócrita. O
vigor da narrativa e dos ideais humanistas expostos é aquilo que fica efetivamente
gravado em nosso imaginário. A força das imagens finais e o belo discurso que
as acompanha reforçam esse caráter desafiador e poético do documentário de
Marker.
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