Ok, há realmente algumas incongruências no roteiro de “Logan”
(2017), principalmente em questões muito mal explicadas como a desculpa de
envenenamento do adamantium como motivos da decadência física do protagonista
ou o fato de uma simples enfermeira ter gravado no celular uma série de imagens
comprometedoras de experiências secretas de clonagem de mutantes por parte de
um laboratório dotado de um forte aparato de segurança. No final das contas,
entretanto, tais deslizes da trama acabam se tornando menores diante dos fortes
acertos no terceiro e derradeiro capítulo da franquia cinematográfica do mais
popular mutante da Marvel. Se no primeiro filme predominava uma concepção de narrativa
convencional e sem brilho e em “Wolverine imortal” (2013), dirigida por James
Mangold, ocorria uma sensível melhora artística, nessa obra mais recente,
também tendo Mangold no comando da produção, é impressionante como densidade
dramática e ação alucinada atingem um ponto de equilíbrio narrativo memorável.
Talvez o grande acerto do filme é estabelecer um forte conceito de história e
concepção estética e levar tal direcionamento de maneira coerente até a sua
conclusão – Wolverine saiu de cena, e o que ficou é um Logan (Hugh Jackman)
envelhecido, doente e muito longe do seu apogeu em termos de força, agilidade e
selvageria, e a encenação e ambientação da obra são marcadas por uma síntese de
realismo, amarga visão sócio-política de um futuro próximo, sordidez e
brutalidade. Mangold não se furta a fazer uma espécie de colcha de retalhos
criativa em termos de roteiro e estética, pois em “Logan” há influências e
referências diversas como as aventuras pós-apocalípticas de “Mad Max” (com
direito inclusive do protagonista se unindo a um bando de crianças e
adolescentes renegados) e clássicos faroestes crepusculares (o que fica
bastante explícito nas citações a “Os brutos também amam”). Ocorre que Mangold
tem a manha de fazer com que essa junção de elementos não caia na mera
reciclagem picareta e soe bastante orgânica e convincente. Assim, a atmosfera
de tensão e violência é bastante perturbadora, a caracterização dos personagens
é muito bem delineada em termos psicológicos e icônicos (X-23, por exemplo, é
muito mais interessante nessa versão para o cinema do que a figura dos
quadrinhos na qual se baseou), as cenas de ação têm uma ótima desenvoltura em
termos de coreografia e de um grafismo sujo e sangrento, a abordagem emocional
é empática e comovente. Até o timing para o momento do lançamento de “Logan” foi
bastante acertado – o futuro nada remoto retratado no roteiro dominado por
preconceitos raciais, pobreza e domínio político-econômico de grandes
corporações parece bastante em sintonia com o nosso presente de ascensão de uma
direita neo-liberal e xenofóbica. Também é interessante constatar como Mangold
consegue até fazer com que “Logan” se conecte ainda com a sua própria filmografia,
em que o decadente Wolverine tem semelhanças existenciais com o desacreditado
policial protagonista de “Cop Land” (1997) e com o cantor outsider Johnny Cash
de “Johnny & June” (2005) – não à toa, uma canção de Cash embala os
créditos finais de “Logan”.
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