quinta-feira, março 09, 2017

Logan, de James Mangold ***1/2

Ok, há realmente algumas incongruências no roteiro de “Logan” (2017), principalmente em questões muito mal explicadas como a desculpa de envenenamento do adamantium como motivos da decadência física do protagonista ou o fato de uma simples enfermeira ter gravado no celular uma série de imagens comprometedoras de experiências secretas de clonagem de mutantes por parte de um laboratório dotado de um forte aparato de segurança. No final das contas, entretanto, tais deslizes da trama acabam se tornando menores diante dos fortes acertos no terceiro e derradeiro capítulo da franquia cinematográfica do mais popular mutante da Marvel. Se no primeiro filme predominava uma concepção de narrativa convencional e sem brilho e em “Wolverine imortal” (2013), dirigida por James Mangold, ocorria uma sensível melhora artística, nessa obra mais recente, também tendo Mangold no comando da produção, é impressionante como densidade dramática e ação alucinada atingem um ponto de equilíbrio narrativo memorável. Talvez o grande acerto do filme é estabelecer um forte conceito de história e concepção estética e levar tal direcionamento de maneira coerente até a sua conclusão – Wolverine saiu de cena, e o que ficou é um Logan (Hugh Jackman) envelhecido, doente e muito longe do seu apogeu em termos de força, agilidade e selvageria, e a encenação e ambientação da obra são marcadas por uma síntese de realismo, amarga visão sócio-política de um futuro próximo, sordidez e brutalidade. Mangold não se furta a fazer uma espécie de colcha de retalhos criativa em termos de roteiro e estética, pois em “Logan” há influências e referências diversas como as aventuras pós-apocalípticas de “Mad Max” (com direito inclusive do protagonista se unindo a um bando de crianças e adolescentes renegados) e clássicos faroestes crepusculares (o que fica bastante explícito nas citações a “Os brutos também amam”). Ocorre que Mangold tem a manha de fazer com que essa junção de elementos não caia na mera reciclagem picareta e soe bastante orgânica e convincente. Assim, a atmosfera de tensão e violência é bastante perturbadora, a caracterização dos personagens é muito bem delineada em termos psicológicos e icônicos (X-23, por exemplo, é muito mais interessante nessa versão para o cinema do que a figura dos quadrinhos na qual se baseou), as cenas de ação têm uma ótima desenvoltura em termos de coreografia e de um grafismo sujo e sangrento, a abordagem emocional é empática e comovente. Até o timing para o momento do lançamento de “Logan” foi bastante acertado – o futuro nada remoto retratado no roteiro dominado por preconceitos raciais, pobreza e domínio político-econômico de grandes corporações parece bastante em sintonia com o nosso presente de ascensão de uma direita neo-liberal e xenofóbica. Também é interessante constatar como Mangold consegue até fazer com que “Logan” se conecte ainda com a sua própria filmografia, em que o decadente Wolverine tem semelhanças existenciais com o desacreditado policial protagonista de “Cop Land” (1997) e com o cantor outsider Johnny Cash de “Johnny & June” (2005) – não à toa, uma canção de Cash embala os créditos finais de “Logan”.

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