O diretor David Leitch é uma avis rara no panorama
cinematográfico contemporâneo – é um cineasta que conseguiu imprimir um traço
autoral trabalhando dentro do gênero do cinema de ação. Os longas “De volta ao
jogo” (2014) e “John Wick – Um novo dia para matar” (2017) estabeleceram um
estilo personalíssimo baseado em uma narrativa estilizada, roteiro baseado numa
insólita síntese entre tensão dramática e brutalidade cartunesca e sequências
de ação coreografadas com requinte e fluência em tiroteios, perseguições
automobilísticas e inúmeros confrontos físicos. Tal abordagem artística é
retomada na obra mais recente de Leitch, “Atômica” (2017), com um resultado
final notável. O fato da trama se desenvolver na Berlin do final dos anos 80,
nos últimos dias do famigerado muro que separava os lados oriental e ocidental,
faz com que o diretor se sinta à vontade em colocar em prática as suas
obsessões estéticas. O trabalho de composição imagética e de reconstituição de
época formam um conjunto audiovisual que mais se vincula a recriação de um
imaginário do que à reconstituição realista. Os anos 80 representaram o período
final da paranoia nuclear estimulada pela Guerra Fria, e um dos grandes méritos
de “Atômica” é justamente realçar com sutileza e criatividade esse clima de
suspense e fragilidade existencial de um mundo que sempre parece no limite de
uma queda inexorável. Essa ambientação sombria e sórdida se mostra em perfeita
sintonia com uma trama repleta de reviravoltas e personagens ambíguos. Os
elementos típicos da época são inseridos com naturalidade e sensibilidade, o
que se verifica no trabalho de direção de arte que alterna sobriedade e delírio
e na forma com que clássicas canções rockers e eletrônicas da época se inserem
na narrativa. A conclusão do filme, muito inclinada para clichês habituais e
forçados de filme de espionagem, até acaba soando um tanto frustrante. Ainda
assim, “Atômica” consegue se manter como um trabalho memorável e reforça o nome
de Leitch como um dos grandes nomes do cinema dessa década.
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