terça-feira, setembro 19, 2017

Cauby - Começaria tudo outra vez, de Nelson Hoineff ***

A partir do surgimento da bossa nova no final dos anos 50, a música brasileira sofreu um processo de polarização que perdura até hoje, em que em uma visão simplificadora e reducionista, e por isso mesmo equivocada, foi estabelecida uma divisão entre aquilo que é considerado “de qualidade” e outro que é determinado como “brega”. O cantor Cauby Peixoto, que surgiu alguns anos antes da bossa nova, foi um artista que, diante de tal concepção restritiva, encontrou dificuldades em ser catalogado. Dessa forma, sua importância e talento, localizados numa insólita área entre o popular e o sofisticado, nunca tiveram um reconhecimento mais amplo por público e crítica. Esse dilema existencial-artístico é captado com notável sensibilidade e perspicácia pelo diretor Nelson Hoineff no documentário “Cauby – Começaria tudo outra vez” (2013). Na concepção narrativa do longa, a vida pessoal e a trajetória profissional do biografado se entrelaçam de maneira indissolúvel como uma coisa só – o estilo misto de técnica impecável e exageros maneiristas de Cauby se relaciona com sua personalidade sedutoramente ambígua. O roteiro passeia com naturalidade e conhecimento de causa tanto pelos “causos” e fofocas que marcaram a biografia de Cauby, sem parecer apelativo ou gratuito, como pela sua evolução como intérprete. Nesse último aspecto, sintetiza exemplarmente detalhes e singularidades de seus principais discos e canções, realçando a beleza atemporal da arte do cantor para admiradores de primeira hora e neófitos.


No conjunto geral, a visão do documentário sobre o seu protagonista traz em seu subtexto uma espécie de radiografia da alma popular do brasileiro, com todas as suas grandezas e contradições, coisa que Hoineff já havia feito também com muitos acertos em “Alô, alô, Terezinha!” (2009).

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