A partir do surgimento da bossa nova no final dos anos 50, a
música brasileira sofreu um processo de polarização que perdura até hoje, em
que em uma visão simplificadora e reducionista, e por isso mesmo equivocada,
foi estabelecida uma divisão entre aquilo que é considerado “de qualidade” e
outro que é determinado como “brega”. O cantor Cauby Peixoto, que surgiu alguns
anos antes da bossa nova, foi um artista que, diante de tal concepção
restritiva, encontrou dificuldades em ser catalogado. Dessa forma, sua
importância e talento, localizados numa insólita área entre o popular e o
sofisticado, nunca tiveram um reconhecimento mais amplo por público e crítica. Esse
dilema existencial-artístico é captado com notável sensibilidade e perspicácia
pelo diretor Nelson Hoineff no documentário “Cauby – Começaria tudo outra vez”
(2013). Na concepção narrativa do longa, a vida pessoal e a trajetória
profissional do biografado se entrelaçam de maneira indissolúvel como uma coisa
só – o estilo misto de técnica impecável e exageros maneiristas de Cauby se
relaciona com sua personalidade sedutoramente ambígua. O roteiro passeia com naturalidade
e conhecimento de causa tanto pelos “causos” e fofocas que marcaram a biografia
de Cauby, sem parecer apelativo ou gratuito, como pela sua evolução como
intérprete. Nesse último aspecto, sintetiza exemplarmente detalhes e
singularidades de seus principais discos e canções, realçando a beleza
atemporal da arte do cantor para admiradores de primeira hora e neófitos.
No conjunto geral, a visão do documentário sobre o seu
protagonista traz em seu subtexto uma espécie de radiografia da alma popular do
brasileiro, com todas as suas grandezas e contradições, coisa que Hoineff já
havia feito também com muitos acertos em “Alô, alô, Terezinha!” (2009).
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