De todos os meios de expressão artístico-cultural, a música
popular é aquele formato que melhor traduziu as alegrias, mazelas, dilemas e
contradições da nação brasileira, ou seja, a alma de um povo. Há um infindável
número de artistas expressivos e canções antológicas que formaram esse rico
panorama histórico e existencial. Dentro desse contexto, dois nomes que
certamente se destacam é Belchior e Jorge Mautner. O primeiro na articulação de
um cancioneiro marcado pela rebeldia estética-comportamental em boa parte de
seus temas, o segundo pela configuração de uma síntese de musicalidade e poesia
que une filosofia libertária, lirismo desconcertante e a fusão insólita entre o
erudito e o popular. Assim, a presença de Belchior e Mautner dentro da
concepção do longa “Como nossos pais” (2017) não é gratuita. É como se a
diretora Laís Bodanzky quisesse transpor o ideário artístico de tais figuras
para o subtexto de seu filme. Para isso, há uma premissa básica até bastante
engenhosa na sua trama: ao anunciar para a filha Rosa (Maria Ribeiro) que essa
na verdade é filha de outro homem e de que também estaria com câncer terminal,
a personagem Clarice (Clarisse Abumjara) pretende detonar um processo de
mudança na vida de Rosa para que ela saia de um limbo marcado pelo marasmo
profissional e pessoal. Ocorre, entretanto, que iniciado tal processo, ele foge
do controle dos padrões desejados por Clarice – Maria passa a questionar todos
os aspectos que regem a sua vida, principalmente no que diz respeito aos seus
relacionamentos pessoais. O que era para ser um pequeno ajuste dentro de um
ordenamento pequeno-burguês, acaba caindo num mergulho no caos. Se tal
pretensão temática pode até soar radical, na prática as coisas não são bem
assim. O maior equívoco de Bodansky é que por vezes a produção cai numa
formatação narrativa previsível e formulaica, quase como se fosse um manual dos
sofrimentos da mulher moderna. Em termos sociológicos, isso pode até funcionar,
no sentido de fazer com que a plateia masculina crie uma empatia com o universo
feminino (ainda que restrito dentro de um padrão classe média). Como cinema,
entretanto, o resultado final é falho porque o formalismo da obra se mostra
conservador diante da proposta libertária do seu subtexto. A presença xamânica
de Mautner no elenco é prova desse problema de abordagem estética de “Como
nossos pais” – sempre que está em cena, ele rouba atenção justamente porque sua
composição dramática foge do previsível e do linear. Aliás, em termos de
atuações, justiça seja feita, a interpretação de Maria Ribeiro também é de se
destacar pela fúria e vigor que expressa. No mais, “Como nossos pais”, a canção
de Belchior evocada pelo título do filme, é um tema que versa sobre amargura e
irresignação diante da capitulação final perante a ordem pequeno-burguesa, e
não uma ode ao conformismo geracional conforme sugere a sequência em que a
música é tocada ao piano. Mas ainda que o longa de Bodansky seja equivocado em
boa parte de suas soluções narrativas, é de se louvar a inquietude criativa de
suas intenções, o que fica bem evidente na contundência das suas sequências
finais.
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