O diretor chileno Sebastián Lelio já havia demonstrado
competente domínio narrativo para o drama intimista em “Gloria” (2013). Em “Uma
mulher fantástica” (2017), ele até amplia o seu direcionamento artístico,
combinando uma temática repleta de questões tabus e uma abordagem estética que
transita com notável desenvoltura entre o realismo sóbrio e sutis elementos
fantásticos. Dentro de tal abordagem, sequências que tinham tudo para cair no
sentimentalismo excessivo ou mesmo na polêmica gratuita acabam demonstrando uma
densidade dramática perturbadora, além de revelarem uma forte riqueza simbólica
na caracterização de personagens e situações. Lelio sempre contrapõe no roteiro
do filme uma delicada visão de mundo libertária e humanista a uma postura
repressora e hipócrita de manutenção de valores patriarcais – nesse processo,
por vezes sua obra cai em um certo maniqueísmo, principalmente no que diz
respeito a uma encenação que remete ao caricatural quando entra em cena aqueles
personagens de índole preconceituosa. Ainda assim, pode-se dizer que geralmente
as ações moralistas na vida real têm uma carga de ridículo e caricatural (vide
a patética e reacionária postura de direitistas fascistas no recente fechamento
de uma exposição de temática “queer” no Santander Cultural em Porto Alegre).
Nesse contexto, “Uma mulher fantástica” ganha ainda mais ressonância artística
e existencial diante os conflitos sócio-políticos-culturais típicos da
sociedade contemporânea.
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