Há um detalhe narrativo em “Filha de ninguém” (2013) que
sintetiza de maneira contundente as particulares concepções artísticas do
diretor sul-coreano Hong Sang-soo – em algumas cenas do filme, o personagem do
professor (Lee Sun-kyun) com o qual a protagonista Haewon (Jeong Eun-Chae) tem
um caso fica ouvindo uma canção instrumental em um pequeno aparelho eletrônico,
com tal áudio sendo reproduzido diretamente em cena, sem truques de edição de
som. O que poderia parecer um recurso que beira o amadorismo na verdade tem um
efeito estético e dramático bastante desconcertante. Por toda a narrativa do
longa predomina essa noção de desconstrução formal que oscila entre o
estranhamento e o encantador que se mostra em notável sintonia com o roteiro
que evidencia um universo que abarca com naturalidade a realidade, o onírico,
banalidades do cotidiano e noções de parábola moral. Nesse sentido, para Hong
Sang-soo não parece haver muitas diferenciações entre as caracterizações de uma
abordagem naturalista e de uma estilização que evoque o delirante, com tais
planos de realidade se misturando como se fosse um registro único entre o
documental e o caseiro. Dentro dessa singular linguagem cinematográfica também
entra uma encenação marcada pela fluidez e por insólitas nuances cômicas (a
sequência em que Haewon e seu referido amante encontram por acaso seus colegas
de faculdade em um restaurante, por exemplo, é antológica em sua dinâmica e
ironia). Assim, ao invés de apelar para óbvios arroubos de virtuosismo técnico
ou de grandes viradas dramáticas em sua trama, “Filha de ninguém” conquista
pela lenta e hipnótica sedução do espectador ao propor um despojado e original
conjunto existencial-formal.
Um comentário:
Pretendo assistir hoje.
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