terça-feira, outubro 03, 2017

Filha de ninguém, de Hong Sang-soo ***1/2

Há um detalhe narrativo em “Filha de ninguém” (2013) que sintetiza de maneira contundente as particulares concepções artísticas do diretor sul-coreano Hong Sang-soo – em algumas cenas do filme, o personagem do professor (Lee Sun-kyun) com o qual a protagonista Haewon (Jeong Eun-Chae) tem um caso fica ouvindo uma canção instrumental em um pequeno aparelho eletrônico, com tal áudio sendo reproduzido diretamente em cena, sem truques de edição de som. O que poderia parecer um recurso que beira o amadorismo na verdade tem um efeito estético e dramático bastante desconcertante. Por toda a narrativa do longa predomina essa noção de desconstrução formal que oscila entre o estranhamento e o encantador que se mostra em notável sintonia com o roteiro que evidencia um universo que abarca com naturalidade a realidade, o onírico, banalidades do cotidiano e noções de parábola moral. Nesse sentido, para Hong Sang-soo não parece haver muitas diferenciações entre as caracterizações de uma abordagem naturalista e de uma estilização que evoque o delirante, com tais planos de realidade se misturando como se fosse um registro único entre o documental e o caseiro. Dentro dessa singular linguagem cinematográfica também entra uma encenação marcada pela fluidez e por insólitas nuances cômicas (a sequência em que Haewon e seu referido amante encontram por acaso seus colegas de faculdade em um restaurante, por exemplo, é antológica em sua dinâmica e ironia). Assim, ao invés de apelar para óbvios arroubos de virtuosismo técnico ou de grandes viradas dramáticas em sua trama, “Filha de ninguém” conquista pela lenta e hipnótica sedução do espectador ao propor um despojado e original conjunto existencial-formal.

Um comentário:

Marcelo Castro Moraes disse...

Pretendo assistir hoje.