Há uma certa conexão existencial-artística entre as
produções brasileiras “Gabriel e a montanha” (2017) e “Alguma coisa assim” (2018)
- além, é claro, de compartilharem a atriz Caroline Abras em seus respectivos
elencos. Os dois filmes são retratos de uma classe média contemporânea
aprisionada em uma bolha de alienação e hedonismo. Se na produção dirigida por
Felipe Gamarano Barbosa o protagonista Gabriel (João Pedro Zappa) interage com
africanos pobres como se esses fossem apenas atrativos de suas viagens ou
motivos de teses sócio-econômicas distanciadas, na obra conduzida por Esmir
Filho e Mariana Bastos os personagens principais Mari (Abras) e Caio (André
Antunes) parecem viver em uma universo à parte de uma ampla realidade
brasileira, com uma fotogênica e descolada rotina em que se sugere que São
Paulo e Berlin pouco se distinguem (ok, a primeira tem umas pichações a
mais...). Mas tal aspecto temático é apenas um dos elementos na narrativa, em
que o foco principal está mais no aspecto intimista da relação entre Mari e
Caio. Há recursos formais e textuais bem interessantes em cena, desde o fato de
que o filme foi sendo realizado ao longo de mais de 10 anos (as primeiras
filmagens datam de meados da década passada), para ter uma captação mais
realista e profunda do processo de amadurecimento emocional dos personagens,
até a uma abordagem que valoriza uma narrativa atmosférica e sensorial e uma
excelente trilha sonora baseada em temas eletrônicos e canções de forte traço
melancólico. A estética de “Alguma coisa assim” é inconstante, fluida, variando
do realismo até um tom onírico e chapado, o que acaba se mostrando coerente com
um roteiro que realça as ambiguidades dos seus personagens e situações e que se
evidencia ainda numa fluidez erótica por vezes desconcertante e mesmo nas
soluções insólitas dos dilemas da difusa história de amor e amizade entre Mari
e Caio.
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