segunda-feira, julho 09, 2018

As boas maneiras, de Juliana Rojas e Marco Dutra ****


Em dupla ou a solo, a filmografia em conjunto de Juliana Rojas e Marco Dutra configura uma estranha e fascinante síntese entre o gênero fantástico, o arguto intimismo e a sutil crítica social. Tal concepção artística já havia se estabelecido de maneira contundente em “Trabalhar cansa”, “Quando eu era vivo” e “A sinfonia da necrópole” e novamente se cristaliza com expressivo impacto em “As boas maneiras”. Nessa produção mais recente, o fabular e o horror sobrenatural se integram com naturalidade dentro de um cenário urbano e contemporâneo “realista”, construindo simbologias imagéticas e textuais desconcertantes na eficácia e simplicidade de seus recursos visuais, na engenhosidade estética e no roteiro preciso na sua combinação de sóbria dramaticidade e humor mórbido. A figura do lobisomem que paira sobre a narrativa, na ambiguidade da contraposição entre o humano civilizado e a fera selvagem, também reflete na marca da dualidade que se estabelece em vários momentos do filme – a metrópole moderna e cosmopolita (e seus “castelos”) e a periferia (o “vilarejo”) fortemente vinculada à pobreza e a raízes regionais separadas por uma ponte, o cotidiano hedonista e vazio de Ana (Marjorie Estiano) e a rotina austera de privações de Clara (Isabél Zuaa) que colidem a partir do choque erótico entre as duas personagens, a atmosfera de silenciosa tensão psicológica da primeira parte da narrativa e o ritmo mais acentuado de aventura e horror explícito do segundo momento do filme. Pontuando com sensibilidade essa concepção formal-temática há detalhes cênicos memoráveis como os belos números musicais que remetem a tragédias gregas e cantigas folclóricas, a direção de fotografia que emula uma ambientação fabular no seu jogo de enquadramentos e iluminação, as interpretações entre o visceral e o delicado do elenco e os efeitos especiais que alternam com criatividade e fluência trucagens animatrônicas, digitais e de maquiagem. Coroando essas soluções artísticas de Rojas e Dutra vem um “gran finale” capaz de ficar muito tempo colado no imaginário do espectador pela sua carga catártica e melancólica.

Um comentário:

Marcelo Castro Moraes disse...

Um dos melhores filmes brasileiros do ano