Em dupla ou a solo, a filmografia em conjunto de Juliana
Rojas e Marco Dutra configura uma estranha e fascinante síntese entre o gênero
fantástico, o arguto intimismo e a sutil crítica social. Tal concepção
artística já havia se estabelecido de maneira contundente em “Trabalhar cansa”,
“Quando eu era vivo” e “A sinfonia da necrópole” e novamente se cristaliza com
expressivo impacto em “As boas maneiras”. Nessa produção mais recente, o
fabular e o horror sobrenatural se integram com naturalidade dentro de um
cenário urbano e contemporâneo “realista”, construindo simbologias imagéticas e
textuais desconcertantes na eficácia e simplicidade de seus recursos visuais,
na engenhosidade estética e no roteiro preciso na sua combinação de sóbria
dramaticidade e humor mórbido. A figura do lobisomem que paira sobre a
narrativa, na ambiguidade da contraposição entre o humano civilizado e a fera
selvagem, também reflete na marca da dualidade que se estabelece em vários
momentos do filme – a metrópole moderna e cosmopolita (e seus “castelos”) e a
periferia (o “vilarejo”) fortemente vinculada à pobreza e a raízes regionais separadas
por uma ponte, o cotidiano hedonista e vazio de Ana (Marjorie Estiano) e a
rotina austera de privações de Clara (Isabél Zuaa) que colidem a partir do
choque erótico entre as duas personagens, a atmosfera de silenciosa tensão
psicológica da primeira parte da narrativa e o ritmo mais acentuado de aventura
e horror explícito do segundo momento do filme. Pontuando com sensibilidade
essa concepção formal-temática há detalhes cênicos memoráveis como os belos
números musicais que remetem a tragédias gregas e cantigas folclóricas, a
direção de fotografia que emula uma ambientação fabular no seu jogo de
enquadramentos e iluminação, as interpretações entre o visceral e o delicado do
elenco e os efeitos especiais que alternam com criatividade e fluência
trucagens animatrônicas, digitais e de maquiagem. Coroando essas soluções
artísticas de Rojas e Dutra vem um “gran finale” capaz de ficar muito tempo
colado no imaginário do espectador pela sua carga catártica e melancólica.
Um comentário:
Um dos melhores filmes brasileiros do ano
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