Por mais que se fale que “Ex-pajé” (2018) seja um
documentário e que o filme em questão tenha participado de festivais do gênero,
a efetiva percepção que se tem da obra dirigida por Luiz Bolognesi é de uma contundente
recriação dos principais preceitos do neo-realismo italiano – estão lá a
temática de forte cunho social, o uso de um elenco de amadores, o
aproveitamento de recursos naturais e externos. Nesse contexto, a narrativa se
formata em termos de encenação e atmosfera praticamente como um conto fabular,
revelando ainda uma rigorosa decupagem. Essa concepção artística revela uma
coerência existencial notável com o subtexto repleto de nuances do roteiro.
Nesse sentido, é de se reparar na forma com que a direção de fotografia capta
as imagens da floresta onde vivem os índios Pater Saruí, principais personagens
da história, em que esses cenários refletem um caráter misto de beleza e
mistério e complementam o forte teor místico da trama. Com sutileza, fica
estabelecido um embate marcante que paira sobre toda a narrativa: a força
opressora da cultura branca, na síntese entre os madeireiros brancos que
invadem as terras indígenas e o opressor missionarismo evangélico que
estabelece um processo de aculturação na tribo, e a discreta resistência mística/cultural
do lado silvícola promovida pelo pajé “aposentado” Perpera Surui e pelo seu
sobrinho ativista virtual Ubiratan Surui. Bolognesi evita uma abordagem
espetaculosa desse conflito, preferindo um ritmo narrativo contemplativo, quase
plácido, que acentuam com vigor e sensibilidade elementos cênicos fundamentais
para a obra, como os sons da natureza, a impenetrável beleza da floresta e os
gestos e expressões de seus principais personagens. Nesse sentido, a sequência
final de “Ex-pajé” tem um impacto sensorial memorável: Perpera Surui observa a
floresta de maneira e serena, como se ambos fossem uma única entidade.
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