Tem coisas que só Wes Anderson consegue fazer. A combinação
parecia improvável em “Ilha dos cachorros” (2018) – animação em stop-motion,
parábola política, fábula moral, homenagem/paródia ao gênero aventura com
samurais. Na ótica particular do cineasta norte-americano, entretanto, todos
esses elementos se entrecruzam com uma lógica e coerência artísticas
extraordinárias, além de perpassados por uma síntese bizarra de ironia
sardônica e pungência insólita (na realidade, uma abordagem que já era marca de
Anderson em seus filmes anteriores). Ao invés daquela estética clean que é
característica de Pixar e Disney, Anderson busca uma concepção imagética mais “suja”
e expressiva, fazendo lembrar muito o estilo de Bill Plympton, ainda que sem
todo aquele tom delirante. Sua evocação da cultura japonesa na trama não é
meramente aleatória, pois a pegada mais reflexiva e contemplativa da narrativa
remete a uma forma de filmar que é tradicional da escola clássica do cinema
nipônico (os amplos planos de cenários ermos, por exemplo, fazem lembrar
clássicas aventuras de Akira Kurosawa). Em outros momentos, a intensidade da ação
cinematográfica traz aquele senso cartunesco que era marca registrada de uma
animação norte-americana de décadas atrás. Todas essas nuances de influências
formais se sintonizam de maneira precisa com um roteiro que tanto valoriza a
carga sócio-política de cenas cruciais como preserva o aspecto de diversão e
mesmo sentimental de forte carga humanista de outras passagens importantes da
trama. Nesse expressivo conjunto criativo, “Ilha dos cachorros” reforça ainda
mais o nome de Wes Anderson como uma espécie de amoroso cronista “fílmico” dos
desajustados e esquisitões.
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