quinta-feira, outubro 04, 2018

A moça do calendário, de Helena Ignêz ***


Helena Ignêz cada vez mais se revela como legítima herdeira artística-existencial de Rogério Sganzerla. “A moça do calendário” (2017) é prova enfática desse seu direcionamento. Há uma linha tênue de narrativa que vincula o filme a uma recriação do gênero comédia romântica – não ligada às produções mais contemporâneas dessa linhagem cinematográfica, mas mais voltada para aquelas produções clássicas de Billy Wilder, Frank Capra e Ernest Lubitsch. É claro, entretanto, que a abordagem de Ignêz não é das mais convencionais. Ela pega algumas arestas tradicionais e as perverte sob uma ótima poética, libertária e até mesmo panfletária. Assim, a narrativa se desenvolve como um grande fluxo onírico e simbolista em que a realidade e o delirante se casam de maneira bizarra e fluente. Discursos sócio-políticos de naturezas ideológicas diversas, diálogos entre o absurdo e a mais cortante lucidez, encenação que atira para vários lados, referências e citações culturais que se incorporam de maneira contundente na trama (com direito, inclusive, a menções explícitas a filmes de Sganzerla). Se por vezes a junção de todos esses elementos estéticos e temáticos tornam a narrativa um tanto irregular, é verdade também que jogam o espectador em um universo sensorial lúdico e perturbador repleto de lirismo, ironia e melancolia. No saldo final, há uma leveza sardônica e humanista em “A moça do calendário” que até serve como uma espécie de breve alívio em tempos tão opressores...

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