Confesso que não consegui assistir à “Fandango” (1985) sem
fazer relações com conturbado e cenário sócio-político brasileiro atual, ainda
mais a poucos dias da eleição presidencial que provavelmente confirmará um
indivíduo de extrema-direita como nosso líder republicano pelos próximos e
funestos quatro anos. O espectro temporal é algo que paira sobre toda a
narrativa do belo filme dirigido por Kevin Reynolds – uma produção oitentista
cuja trama foca um grupo de jovens recém-formados em uma cidadezinha do
interior norte-americano no início dos anos 70, recém convocados para lutarem
no Vietnã, e que já se sentem nostálgicos em relação à própria juventude que
viveram na década de 1960. É mais uma obra a versar sobre a transição da
inocência para uma certa maturidade, com o fato de que boa parte da ação se
desenvolver na estrada já evidencia esse simbolismo sobre ritos de passagem.
Por mais que esses elementos façam sugerir caminhos temáticos e estéticos já
bastante explorados no cinema norte-americano, a verdade é que a direção repleta
de nuances carinhosas e irônicas de Reynolds oferece um encantador frescor para
o filme, vide acertos memoráveis como a preciosa encenação, a direção de fotografia
de talhe clássico, a trilha sonora que combina com precisão clássicas canções
de rock e pop sessentistas e expressivos temas incidentais e o elenco com
algumas atuações memoráveis (grande destaque para Kevin Costner em
interpretação de raras sensibilidade e carisma). Como cereja do bolo, o roteiro
é um verdadeiro achado na sua síntese de crônica saudosista e sutil crítica aos
valores hipócritas da sociedade ocidental (nesse sentido, impossível não fazer
a conexão do ufanismo opressor do jovem Phil, louco para “servir o país” no
Vietnã, com o fascista discurso patriótico de Bolsonaro e seguidores).
Posteriormente, Reynolds até dirigiu alguns bons filmes como “Robin Hood – O príncipe
dos ladrões” (1991) e “Waterworld – O segredo das águas” (1995), mas nada que
chegasse perto do brilho criativo de “Fandango”.
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