quarta-feira, outubro 10, 2018

As herdeiras, de Marcelo Martinessi ***


A construção narrativa da produção paraguaia “As herdeiras” (2018) é baseada em um conceito minimalista. A ação é desenvolvida sem atropelos, o roteiro mais sugere os dilemas de suas personagens do que os fixa de forma definitiva ou ostensiva, não há música a pontuar a dramaticidade das cenas. A concepção artística do diretor Marcelo Martinessi é tão rigorosa na secura e contenção de seus elementos estéticos-temáticos que mesmo situações da trama e personagens que poderiam complementar a obra são limados sem concessão. Esse direcionamento por vezes pode tornar a obra um tanto árida, mas aos poucos vai se mostrando eficaz na maneira como cria tensão dramática e dá uma contundente dimensão existencial para as principais figuras da história. O roteiro foca de maneira preponderante o universo feminino que gira em torno de um casal maduro de lésbicas. Quando homens entram em cena, sempre é de longe, distante, como se fossem uma opressora e difusa sombra patriarcal sobre as personagens. Nesse sentido, novamente a forma minimalista de Martinesse filmar consegue ressaltar com sutileza essa crítica a uma sociedade machista, além de evocar aquela atmosfera de um atraente mundo particular da série Peanuts – é de se lembrar que no ambiente de Charlie Brown e sua turma os adultos nunca são mostrados de forma direta. Nesse formato narrativo, “As herdeiras” não é filme de grandes arroubos formais. A coerência de seu direcionamento artístico, entretanto, torna a obra estranhamente envolvente e sensual em seus desdobramentos, impressão essa ainda mais acentuada pela intensa interpretação de Ana Brum.

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