A construção narrativa da produção paraguaia “As herdeiras”
(2018) é baseada em um conceito minimalista. A ação é desenvolvida sem
atropelos, o roteiro mais sugere os dilemas de suas personagens do que os fixa
de forma definitiva ou ostensiva, não há música a pontuar a dramaticidade das
cenas. A concepção artística do diretor Marcelo Martinessi é tão rigorosa na
secura e contenção de seus elementos estéticos-temáticos que mesmo situações da
trama e personagens que poderiam complementar a obra são limados sem concessão.
Esse direcionamento por vezes pode tornar a obra um tanto árida, mas aos poucos
vai se mostrando eficaz na maneira como cria tensão dramática e dá uma
contundente dimensão existencial para as principais figuras da história. O
roteiro foca de maneira preponderante o universo feminino que gira em torno de um
casal maduro de lésbicas. Quando homens entram em cena, sempre é de longe,
distante, como se fossem uma opressora e difusa sombra patriarcal sobre as
personagens. Nesse sentido, novamente a forma minimalista de Martinesse filmar
consegue ressaltar com sutileza essa crítica a uma sociedade machista, além de
evocar aquela atmosfera de um atraente mundo particular da série Peanuts – é de
se lembrar que no ambiente de Charlie Brown e sua turma os adultos nunca são
mostrados de forma direta. Nesse formato narrativo, “As herdeiras” não é filme
de grandes arroubos formais. A coerência de seu direcionamento artístico,
entretanto, torna a obra estranhamente envolvente e sensual em seus
desdobramentos, impressão essa ainda mais acentuada pela intensa interpretação
de Ana Brum.
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