Megaconcertos de rock, daqueles realizados em imensas arenas
e afins, guardam uma espécie de parentesco com o fascismo. O artista diz um “yeah”
qualquer e uma imensa massa responde urrando de aprovação e os sistemas de som
propagam um volume sonoro ensurdecedor estimulando uma resposta sensorial do público
ainda mais tonitruante. Em eventos como esse, a contemplação e reflexão não
encontram muito espaço – grande parte das pessoas está lá para urrar e pular em
troca do caro ingresso que elas pagaram. Diante de um quadro como esse, é mais
que compreensível a considerável quantidade de vaias que Roger Waters angariou em
terras brasileiras ao mostrar uma postura crítica em relação à ascensão do fascismo
bolsonarista no país. Por mais que essa postura de desafio seja coerente com a
própria trajetória artística de Waters, a verdade é que essa situação é
sintomática da própria condição contraditória e anacrônica do rock and roll em
pleno século XXI. Aquilo que começou como uma revolução musical e
comportamental em meados da década de 1950 como reação à postura moralista,
hipócrita e racista da sociedade ocidental da época se transformou na trilha
sonora de pessoas que hoje em dia adotam essa mesma postura.
A nova versão de “Nasce uma estrela” (2018) é mais uma prova
enfática dessa melancólica decadência existencial do rock and roll. Logo no
início do filme, há uma memorável sequência em que o rock star Jackson Maine
(Bradley Cooper) toma uns aditivos nos bastidores de um show e quando entra em
cena logo dispara riffs e solos faiscantes de guitarra diante de uma imensa e
barulhenta plateia. A música é um intenso southern rock, pleno de rusticidade e
melodia, mas também com um certo ar datado. De maneira simbólica, essa cena
sintetiza com sutileza o subtexto da obra – por maior que seja a beleza e a
espontaneidade da arte de Maine, a realidade é que ele é um dinossauro à beira
da extinção. Mais do que seu comportamento autodestrutivo e a inconstância do
seu temperamento, seu definitivo algoz, ainda que de maneira involuntária, é a
cantora pop Ally (Lady Gaga) – Maine a descobre acidentalmente, acolhe-a e a
transforma em esposa e parceira e por fim é suplantado por ela de forma
avassaladora. O genuíno talento de Ally, bruto e cortante quando descoberto por
Maine, aos poucos é lapidado e estilizado de acordo com os preceitos comerciais
da indústria da música atual. O paralelo que se estabelece entre os dois
personagens é direto e algo exagerado, mas altamente eficaz e perturbador – a ascensão
como diva pop de Ally corresponde à amarga e fulminante derrocada de Maine.
Basicamente, a trama dessa revisão de “Nasce uma estrela” é
a mesma das três versões cinematográficas anteriores. O grande mérito de
Bradley Cooper na direção é repetir a história e a enquadrá-la sob um contexto
histórico-existencial diferente e também em um formato narrativo e cênico de
forte frescor criativo. Em termos de estilo, Cooper faz lembrar muito alguns
trabalhos marcantes de Clint Eastwood na direção – narrativa e encenação seguem
um classicismo muito bem delineado, a atmosfera dramática é marcada pela sobriedade,
o elenco apresenta seguras e convincentes atuações. Além disso, é de se
destacar o vigor cênico dos números musicais da produção e que valoriza com
sensibilidade a beleza das canções originais da trilha sonora. Nessa afiada
concepção formal e temática, o filme apresenta algumas antológicas sequências:
Ally no centro do palco na premiação do Grammy enquanto Maine está atirado
bêbado na escada de acesso ao palco, o doloroso rito de morte do artista que
remete ao suicídio de Kurt Cobain e a sensacional sequência final em que uma
versão grandiosa e plastificada de uma canção de Maine interpretada por Ally se
contrapõe a um cortante flashback dele mesmo interpretando cruamente a música
ao piano. E a conexão com Eastwood é tão forte que por vezes o filme faz
lembrar uma das mais estimadas obras do veterano cineasta, a cinebiografia
musical “Bird” (1988), que marcava justamente a conturbada substituição do jazz
clássico pelo rock and roll no imaginário cultural norte-americano.
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